Balança & Espada

"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito" (JHERING)



Jurisprudência

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

ANNA KARIÊNINA - III

— O senhor agiu mal, muito mal.
— E acaso ignoro que agi mal? Mas quem foi a causa de eu ter agido assim?
— Por que o senhor me diz isso? — perguntou Anna, lançando-lhe um olhar severo.
— A senhora sabe o por quê — respondeu, com audácia e alegria, encarando seu olhar, sem desviar os olhos.
Não ele, mas ela sim perturbou-se.
— Isso apenas vem mostrar que o senhor não tem coração — disse Anna. Mas seu olhar dizia que ela sabia que Vrónski tinha coração e por isso o temia.
— Isso a que a senhora se referiu foi um engano, e não amor.
— O senhor lembre que eu o proibi de pronunciar esta palavra, esta palavra detestável — disse Anna, sobressaltada; mas no mesmo instante se deu conta de que com aquela palavra, proibi, mostrava que reconhecia ter certos direitos sobre ele e, por isso mesmo, o incentivava a falar de amor.— Há muito eu queria dizer isto ao senhor — prosseguiu, fitando decidida os olhos de Vrónski e toda ela ardendo, no rosto corado que queimava — e hoje vim aqui de propósito, sabendo que o encontraria. Vim dizer ao senhor que esto deve terminar. Nunca me ruborizei diante de ninguém, mas o senhor me obriga a me sentir culpada.
Ele a fitou e ficou impressionado com a nova beleza espiritual do seu rosto.
— O que a senhora quer de mim? — perguntou, de modo simples e sério.
— Quero que vá a Moscou e peça desculpas a Kitty — respondeu Anna, e uma pequenina luz começou a cintilar em seus olhos.
— A senhora não quer isso — disse ele.
Vrónski notava que Anna dizia aquilo que se obrigava a dizer e não o que desejava.
— Se o senhor me ama, como diz — sussurrou —, faça isso, para que eu fique em paz.
O rosto de Vrónski iluminou-se.
— Acaso ignora que a senhora é toda a minha vida! Mas, paz eu não conheço e não posso lhe dar. Todo o meu ser, o amor... sim, posso. Não consigo pensar na senhora e em mim separados. A senhora e eu somos um só, para mim. E não vejo, no futuro, nenhuma possibilidade de paz, nem para mim, nem para a senhora. Vejo a possibilidade de desespero, de infelicidade... ou vejo a possibilidade de felicidade, e que felicidade!... Será mesmo impossível? — acrescentou, só com os lábios; mas Anna ouviu.
Com toda a força do pensamento, Anna se obrigava a dizer o que devia ser dito; mas, em vez disso, concentrou no olhar dele o seu próprio olhar, repleto de amor, e nada respondeu.
"Aí está ele!", pensou Vrónski, com um arroubo. "Quando eu já começava a perder a esperança e quando parecia que isso não ia mais ter fim, aí está ele! Ela me ama. E o admite."
— Então, faça isto por mim, nunca mais me diga essas palavras e sejamos bons amigos — pediu a voz de Anna, mas seus olhos diziam algo bem diferente.
— Não seremos amigos, a senhora sabe disso. Seremos os mais felizes ou os mais infelizes dos seres humanos. Isto está em suas mãos.
Anna quis dizer algo, mas ele a interrompeu.
— Só lhe peço uma coisa, o direito de esperar, de sofrer, como agora; mas se isso também for impossível, mande que eu desapareça, e eu desaparecerei. A senhora não mais mais me verá, se a minha presença lhe for penosa.
— Não tenho a intenção de banir o senhor.
—Apenas não mude nada. Deixe tudo como está — disse ele, com voz trêmula.

(Anna Kariênina, Liev TOSTÓI, Trad. Rubens Figueiredo, São Paulo: Cosacnaify, 2013, pp. 147 e 148).



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