Balança & Espada

"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito" (JHERING)



Jurisprudência

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ME ENGANA QUE EU GOSTO

Por João Pereira Coutinho

Gosto que me digam as verdades na cara. Todos conhecemos essa frase infame. Comigo, não. Prefiro que me digam tudo nas costas. Na cara, só mentiras. Piedosas, maldosas – isso interessa? Não exijo mais das pessoas. Apenas que tenham esse mínimo de elegância, também conhecido por hipocrisia.
Você consegue imaginar um mundo onde toda a gente diz as verdades na cara de toda a gente?
Provavelmente, ninguém ficaria com cara (intacta) para contar. Quando dizem que alguém falou mal de mim na minha ausência, a admiração que sinto pelo sujeito é genuína. Pode ser um canalha, mas pelo menos é um cavalheiro. O inverso também é válido: quando me criticam diretamente, não é a crítica que me incomoda. É a preguiça em não usar disfarce.
Pena que a hipocrisia tenha má fama. Oliver Burkeman, no "The Guardian", escreveu há dias um artigo sobre o tema. Dizia ele que os últimos estudos em psicologia explicam definitivamente por que não gostamos de gente hipócrita. O problema está na "sinalização falsa" que o hipócrita emite. Ao defender uma coisa (nobre) e ao praticar clandestinamente um ato (ignóbil) que desmente seu moralismo, ele ganha vantagens imerecidas na competição moral da espécie.
Pior: segundo esses estudos, as pessoas preferem uma criatura rude (ou, pelo menos, um hipócrita arrependido) a um genuíno profissional.
Discordo dos estudos. E explico por que motivo sempre admirei os ingleses. Sim, bons livros. Sim, bons uísques. Sim, boa gastronomia (essa foi hipócrita). Mas a admiração principal está na capacidade deles para o fingimento.
Lembro de ler, sei lá onde ("Economist"?), uma espécie de dicionário em que se traduzia as expressões da polidez britânica para a linguagem comum. De um lado, o que eles dizem. Do outro, o que eles realmente querem dizer.
"Com todo o respeito..."= "Você é uma besta".
"Corrija-me se estou errado..." = "Não me interrompa".
"Muito bem!" = "Que bosta completa!"
"Muito interessante!" = "Matem-me, por favor!"


"Talvez seja melhor pensarmos sobre o assunto." = "Não seja idiota e esqueça o assunto."
Quando os especialistas perguntam por que motivo a Inglaterra moderna não caiu nos abismos revolucionários ou totalitários da Europa continental, desconfio que a polidez da hipocrisia limou as arestas e tornou o espaço público mais respirável. Só selvagens, ou alcoólatras, dizem tudo o que pensam.
Até porque a mentira tem várias aplicações estimáveis. O escritor Jeremy Campbell, em livro que recomendo ("The Liar's Tale", uma impressionante história da falsidade), devolve à mentira a nobreza que ela merece.
Um pouco de mentira pode ser necessário para uma vida feliz ou, no mínimo, serena. Um pouco de mentira é condição básica de sanidade (não é curioso que algumas pessoas sérias só conseguem ter sentido de humor quando enlouquecem de tanta seriedade?). Um pouco de mentira pode ser útil na conservação dos estados e na manutenção da paz civil. Maquiavélico? Sem dúvida. Mas a política é como as salsichas: você não quer saber como certas coisas são feitas.
Enfim, sem um pouco de mentira, onde estariam as artes que tornam as nossas existências suportáveis? Gostamos de Fernando Pessoa porque ele foi o mais mentiroso dos poetas.
No livro, um dos melhores capítulos lidava com as mentiras da natureza –a forma como até os organismos usam a dissimulação para sobreviver.
Um exemplo ficou na memória: as orquídeas imitam os traços dos insetos fêmeas para serem polinizadas pelos machos. Aqui entre nós, não há nenhum homem heterossexual que já não tenha sido enganado por essa experiência. Desconfio que o mesmo vale para as mulheres: ele parecia um príncipe e, afinal, era um sapo. Mas é tudo pela sobrevivência da espécie.
E se Nietzsche, um dos mestres do "ressentimento", usava esse termo para descrever a forma como os escravos da antiguidade transformaram as suas fraquezas em virtudes (uma crítica direta ao cristianismo), não admira que ele tenha enlouquecido (foi a sífilis, eu sei, mas sejamos metafóricos).
Que se dane o heroísmo! Eu prefiro um mundo com alguma benevolência e compaixão. Quem diz o contrário nunca visitou um shopping center a um domingo à tarde.
Moral da história?
Millôr Fernandes, um dos grandes filósofos do Brasil, falou e disse: em momentos de tensão, o importante é manter a presença de espírito, embora o ideal fosse a ausência de corpo.

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 14.02.2017, caderno ilustrada C6.

UM TRISTE FINAL DE TARDE

Por Luiz Felipe Pondé

O que é uma virtude? Eis uma das perguntas mais difíceis de responder. Não há um consenso evidente. Em nossa época, nunca se falou tão facilmente de ética, como se esta fosse algum método que se consegue ensinar num workshop motivacional. Tampouco, a ética se deixa notar tão facilmente entre pessoas religiosas, ciosas de sua frequentação ao templo, aliás, como o próprio Cristo ensinou. Amontoam-se livros sobre justiça social, amor ao próximo, igualdade, Cristo, escritos por canalhas de todos os tipos. Que Deus nos proteja da bondade dos bons.
Não, virtudes estão entre as coisas mais raras do mundo. Quando vemos uma, devemos silenciar como forma de reverência. Toda virtude é silenciosa e discreta, se seguirmos o pensamento de autores cristãos católicos jansenistas, aqueles cristãos franceses do século 17, muito próximos dos calvinistas, que contavam entre os seus mais famosos gente como o filósofo Pascal e o dramaturgo Racine. Nunca somos capazes de atestar a presença de uma virtude em nós mesmos, apenas o outro pode fazê-lo, porque a vaidade, mãe de todos os pecados e vícios, está sempre atenta para confundir nosso próprio coração.
Entre os jansenistas que se dedicaram especificamente à falsidade das virtudes demonstradas, está o jurista Jacques Esprit (1611-1677). Para Esprit, a sociedade se sustenta na pretensão das virtudes em nós e nos outros. Romper com esse acordo tácito sobre a falsidade das virtudes é declarar guerra ao contrato social baseado na mentira moral, base da vida pública.
Para Aristóteles (385 a.C.-323 a.C.), a ética é uma ciência prática vivida na contingência, isto é, não há uma definição "matemática da virtude". Ela é uma espécie de gradiente que se move entre vícios opostos. Por exemplo, a generosidade é uma "média" entre você estourar tudo que tem dando aos outros, colocando sua vida e dos seus em risco, e ser simplesmente mesquinho.
Já Adam Smith (1723-1790), sociólogo e filósofo da moral britânico, mais conhecido pela sua reflexão sobre a riqueza e a sociedade comercial, se preocupava muito com os danos morais do enriquecimento. Mas, ainda assim, reconhecia como a melhoria material do mundo poderia, nalguma medida, ampliar a possibilidade da prática da generosidade, uma vez que as pessoas se sentiriam mais seguras para doar algo sem medo de elas mesmas virem a ficar pobres. O paradoxo do capitalismo, sistema movido a ganância, era esse mesmo: a ganância privada poderia gerar generosidade pública em alguma medida.

E aí chegamos a uma questão de fato séria e que sempre nos atormenta: pode-se comprar uma virtude? A riqueza garante a generosidade? As duas são a mesma coisa?
Não, não são a mesma coisa. A riqueza é um bem material, resultado de acúmulo e de, muitas vezes, disciplina (o que é, em si, uma virtude). A riqueza, como bem diz Adam Smith, pode tornar uma pessoa mais generosa devido à segurança material que sente em sua própria vida. Mas a generosidade não brota do simples acúmulo material. Como diria o próprio Pascal, o dinheiro, elemento do mundo material, jamais se tornaria uma virtude, elemento do mundo moral ou do espírito. Mas muitas vezes se misturam e se parecem. E para alguém necessitado, receber um bem material pode significar ter a vida salva.
A pergunta sobre a pureza da generosidade vai ao coração da intenção de quem é, "verdadeiramente", generoso. Uma coisa é pensar acerca da definição teórica da virtude, outra coisa é a prática dessa virtude. Só se é generoso e, portanto, se conhece a generosidade "por dentro", quando se pratica a generosidade. E para fazê-lo, muitas vezes, há que se correr risco. O próprio Cristo, sendo ele Deus, para os cristãos, só se revela em sua generosidade quando morre pela humanidade. Nesse sentido, não há generosidade "pura" sem algum risco de vida ou de perda.
Portanto, a força da generosidade é semelhante à da graça: ambas são imbatíveis, uma vez que não temem a destruição do próprio agente que as pratica. O nome da generosidade de Deus é graça. Como se vê a graça?

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 13.02.2017, caderno ilustrada, C6.

O IGNORANTE NÃO SABE QUE O É

Por Contardo Calligaris

Lena Dunham é a autora e a protagonista de "Girls", o seriado da HBO que estreia sua última temporada nesta semana. "Girls" é "Sex in the City", mas para gente grande –o que é irônico, porque o pessoal de "Girls" é mais jovem do que o pessoal de "Sex in the City".
Enfim, Lena Dunham, pela boca de sua personagem Hannah, reconheceu: "Tenho forte opinião sobre tudo. Mesmo em tópicos sobre os quais sei pouco a respeito".
Talvez você não goste de Lena Dunham e pule de alegria porque ela finalmente admitiu o que você sempre pensou dela (ou seja, que ela é "metida" mesmo). Pois bem, não pule. O que Dunham disse é apenas uma regra universal e incontestável: ao tomar posição sobre qualquer tópico, quanto menos soubermos, tanto mais mostraremos e sentiremos uma certeza absoluta. E quanto maior nossa incompetência, tanto maior será nossa convicção na hora de agir.
Em 1995, o sr. McArthur Wheeler assaltou dois bancos depois de molhar o rosto com suco de limão, absolutamente convencido de que o suco funcionaria como tinta invisível e não deixaria seu rosto aparecer nas gravações das câmeras de segurança. Todos podemos ter ideias erradas, mas só os grandes incompetentes se avaliam como extremamente competentes.
O fenômeno foi comprovado em 1999 por David Dunning e Justin Kruger, psicólogos da universidade Cornell, numa série de experiências com a prática médica, o jogo de xadrez, a capacidade de dirigir um carro etc. Em cada caso, as pessoas incompetentes não reconheciam o tamanho de sua incompetência –só começavam a reconhecer sua incompetência efetiva se e quando elas treinassem e se instruíssem para tornar-se competentes.
Ou seja, quanto mais a gente é ignorante e incompetente, mais a gente tem certezas radicais e passionais. Inversamente, quem se afasta de sua incompetência (informando-se ou formando-se) torna-se mais humilde e mais disposto a duvidar de si.
Em suma, ignorância e incompetência produzem uma ilusão interna de saber e competência. Inversamente, saber e competência produzem uma certa auto-desvalorização do sujeito, que passa a duvidar de si.
É possível pensar que a certeza passional seja uma maneira de compensar (e esconder) nossa própria ignorância ou incompetência.


Mas, de qualquer forma, a explicação é intuitiva: quanto menos eu souber (do que for: de motor de carro, de política econômica, de teatro, de amor etc.), tanto menos saberei medir o que não sei. Inversamente, quem sabe mede facilmente que só sabe uma pequena parte do que gostaria de saber.
Sócrates dizia que ele só sabia que nada sabia. Por isso mesmo, o resultado da pesquisa pareceu tão esperado que Dunning e Kruger, em 2000, ganharam o prêmio Ig Nobel de irrelevância. Mas Dunning continuou e, em 2005, publicou um livro, "Self-Insight", cujas implicações são úteis.
Em época de grandes paixões e conflitos –ou, como se diz, de polarizações– mundo afora, vale a pena lembrar que a certeza (ainda mais quando for passional) é proporcional à ignorância e à incompetência.
Aplique isso ao campo da moral, da política e da religião: a ignorância é a grande mãe de quase qualquer extremismo.
O psicanalista Jacques Lacan disse um dia que só os teólogos conseguiam ser verdadeiros ateus: o saber e a competência nos afastam da certeza.
Enfim, alguém poderia se preocupar especificamente com uma consequência disso tudo: se a ignorância e a incompetência nos oferecem certezas (falsas, mas tanto faz), será que isso não significa que os ignorantes e os incompetentes são os mais aptos a agir?
Será que o excesso de competência e de saber nos levariam a dúvidas sofridas e, portanto, à incapacidade de agir? Por exemplo, deve ser fácil decidir a política dos EUA a partir do noticiário da televisão, mas se você lesse e estudasse todos os relatórios preparados pelas diferentes fontes que informam o presidente, então a tomada de decisão se tornaria complicada, hesitante.
Obviamente, essa não é uma razão para se render à facilidade da incompetência. Tampouco é uma razão para não agir. Para agir, é preciso aceitar que a qualidade de um ato apareça nas dúvidas e não na certeza de quem age, porque, como já dizia Touchstone, o bobo de "As You Like it" (mais de 400 anos antes de Dunning e Kruger), "o idiota pensa que é sábio, enquanto o sábio é aquele que sabe de ser idiota".

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 16.02.2017, caderno ilustrada, C8.

DORMIR PARA QUÊ?

Por Fernando Reinach

Passamos quase um terço de nossa vida dormindo e ainda não sabemos o porquê. A razão para permanecermos acordados é fácil de entender. É quando buscamos e ingerimos alimentos, fazemos sexo, alimentamos e educamos os filhos, cuidamos das outras pessoas de nosso grupo e refletimos sobre a vida. Mas por que permanecemos entre seis e oito horas inconscientes, largados em algum lugar? Dormir subtrai tempo das atividades necessárias para a sobrevivência e aumenta o risco de ser atacado por um predador. Mas dormir deve ser importante, senão a seleção natural teria eliminado essa atividade.
Dormir é essencial para nossa sanidade. Se você não deixar um ser humano dormir, ele acaba enlouquecendo. Alguma coisa importante ocorre no nosso cérebro durante o sono, mas não sabemos o quê. Existem duas teorias sobre a função do sono. A primeira é que o sono restaura o funcionamento do nosso cérebro. Imagine que ficar desperto “gasta” alguma coisa em nosso cérebro e essa coisa, seja ela nutrientes ou neurotransmissores, precisa ser reposta. A segunda teoria é que o sono teria a função de processar as informações acumuladas durante o dia. Durante o sono, o cérebro processaria a informação, descartando uma parte, arrumando o resto. 
O cérebro humano é composto por 16 bilhões de neurônios (o dobro do número de pessoas que existe no planeta). Cada um desses faz milhares de conexões com outros neurônios. Essas conexões, que na verdade são minúsculos pontos de interação, são chamadas de sinapses e a informação que passa de um neurônio para outro trafega por elas. O conjunto de 16 bilhões de neurônios e os 16 trilhões de sinapses formam uma enorme rede, semelhante à internet que une nossos computadores. Tudo dentro de um único cérebro. Nas últimas décadas, cientistas descobriram que, quando aprendemos um comportamento ou memorizamos alguma informação, as interações entre os neurônios se modificam, novas sinapses se formam, outras desaparecem e a rede se modifica.
Existem inúmeros experimentos que comprovam essa plasticidade do sistema nervoso. Do mesmo modo que levantar peso aumenta nossos músculos, usar o cérebro modifica o número e o arranjo das sinapses.
Agora, um grupo de cientistas resolveu investigar o que acontece com nossas sinapses quando dormimos. Para isso examinaram duas áreas específicas do córtex cerebral. São as que comandam nossos movimentos e recebem os impulsos vindos dos sentidos.
Eles sacrificaram camundongos submetidos a uma rotina rígida de muita atividade durante o dia, seguida por muitas horas de sono.
Um grupo de camundongos foi sacrificado imediatamente antes de cair no sono, no fim do dia, e o outro grupo foi sacrificado um pouco antes de despertar, depois de uma longa noite de sono. Essas regiões do cérebro foram isoladas. Usando microscópios eletrônicos, os cientistas contaram o número de sinapses e mediram seu tamanho em um dado volume de cérebro. Esse é um trabalho hercúleo. Um total de 6.920 sinapses foram analisadas.
Mas valeu a pena. Os cientistas descobriram que durante as horas de sono o cérebro dos camundongos perde 18% de suas sinapses, seja porque algumas simplesmente desaparecem, seja porque elas diminuem de tamanho. Esse resultado, muito importante, demonstra que durante o dia o cérebro acumula sinapses e durante a noite perde sinapses e isso se repete todos os dias. Mas isso não quer dizer que as sinapses acumuladas durante o dia são as mesmas que são perdidas durante a noite. O que os cientistas acreditam é que essa acumulação e a perda resultam em mudanças no circuito cerebral, novas conexões. Novas memórias são formadas, outras são perdidas ou enfraquecem. 
E assim vamos aprendendo e nos modificando ao longo da vida. Provavelmente o processo de acúmulo de sinapses, por algum motivo, não pode ocorrer simultaneamente à destruição e é por isso que temos de dormir. O mais interessante é que essa descoberta sugere uma explicação dos sonhos. Eles seriam uma manifestação do processo de destruição de sinapses e reorganização de aprendizados e memórias.

Publicado no jornal O Estado de São Paulo de 18.02.2017, caderno Metrópole, A 17.

A CIÊNCIA DA EMOÇÃO

Por Nizan Guanaes

Não existe propaganda tradicional. A propaganda deve ser uma forma de comunicação disruptiva que surpreende as pessoas. Propaganda tradicional se refere muito mais à maneira como a propaganda é veiculada do que como ela é pensada e criada.
Alguns dos maiores publicitários sempre se comunicaram por veículos inovadores.
Steve Jobs, o gênio criador da Apple, fez poucos comerciais. Ele foi um publicitário que pensava em design e relações públicas. Seus famosos lançamentos de produtos, no figurino calça jeans/gola rulê, eram propaganda disruptiva com mensagens tão eficientes quanto os produtos sendo lançados.
Ralph Lauren, o grande estilista e empresário americano, deu passado inglês aos Estados Unidos com suas lojas e coleções modernamente conservadoras. Ali a tradição era inovação, a mensagem era o meio.
A Abercrombie & Fitch fez coisa parecida no começo desta década em suas lojas que pareciam discotecas com música alta e jovens sem camisa circulando entre araras. No escuro das lojas, a marca brilhava.
A propaganda teve tantos caminhos e plataformas que toda a conversa hoje em torno de on e off, tradicional e disruptivo, reflete discussão que sempre acompanhou a atividade. As campanhas multitela atuais são a atualização, radical, do que existe desde os "mad men" da avenida Madison.
Mary Wells Lawrence criou nos anos 1960 uma campanha memorável para a companhia aérea Braniff acessando todas as plataformas disponíveis: o design dos aviões, a roupa das tripulações, o formato das poltronas.
O filme da campanha, "End of the Plain Plane" (algo como "o fim do avião sem graça"), pode ser visto no YouTube. O uso de todos os elementos de uma companhia aérea para se comunicar é fundamentalmente tão moderno hoje quanto em 1965.
Em cada empresa, um pensamento publicitário se apresenta. Entendê-lo e expressá-lo com a emoção certa é chave que abre as portas da percepção do público. Hoje, graças a Deus (e aos engenheiros), temos ferramentas e dados muito mais poderosos para acessá-lo, entendê-lo e entregá-lo o produto certo, na hora certa, no lugar certo, no preço certo. É muito recurso, que demanda algo mais: emoção.
Queremos mestres engenheiros em nossas agências, mas queremos também mestres da emoção.
Quando fizemos a campanha de bichinhos de pelúcia para a Parmalat, alguns publicitários acharam brega, torceram o nariz. Mas as mães e as crianças adoraram, e foi um tremendo sucesso.


A propaganda está dentro do fluxo constante de criação e comunicação que marca a humanidade. No best-seller "Sapiens", o israelense Yuval Harari afirma que a capacidade do ser humano de acreditar em coisas imateriais, que só existem na imaginação, e comunicá-las de forma eficiente tornou possível às pessoas agir de forma coordenada para construir civilizações.
A propaganda é fio condutor da humanidade.
Jesus já fazia publicidade porta a porta. A Igreja Católica sempre usou big data, coletando dados em escala global nos confessionários das igrejas.
É verdade que antes da web as coisas pareciam mais simples. Para falar com o consumidor havia TV, mídia impressa, rádio, outdoor. Agora é mais complexo, no melhor sentido. A paleta se expandiu, elevando a nossa capacidade de promover marcas e produtos.
A publicidade não deve temer essas evoluções, mas abraçá-las, como estamos fazendo. Só não pode perder seu fio terra, o que transforma dados frios em laços quentes: a emoção. Ela será sempre a alma do negócio, mas sobretudo o negócio da alma.

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 14.02.2017, caderno mercado, A20.

A FORÇA DA JUSTIÇA

Por Francisco Daudt

Como psicanalista, sou um advogado de defesa do cliente que me contrata. Ele chega pagando pena, prisioneiro por décadas de uma culpa que não está clara –sua neurose–, e pior, achando-se mais culpado ainda por tê-la. Quero ver os autos desse processo que o condenou, mas eles não estão on-line, infelizmente. A coisa é tão injusta que se faz necessário um trabalho detetivesco de arqueólogo para decifrá-lo. Sim, porque ele está codificado em sintomas e sonhos, ele está inconsciente.
A beleza da coisa reside em que, à medida que vamos jogando luz na história, ela se revela injusta com o neurótico: foi resultado de incompetências –nunca encontrei história de má intenção– de sua criação carregadas pela vida afora, o famoso complexo de Édipo. Exposta a injustiça, entra então a força da justiça: a indignação e o inconformismo, a vontade de corrigir o erro.
Indignação com injustiça é um software inato que trazemos, com um resultado primeiro: raiva. Qualquer raiva é revolta contra o que nos parece injusto (mesmo que não seja). Por isso digo que a raiva é a mãe da justiça. É ela que motiva a busca de se corrigir o erro, ainda que muitas vezes tome caminhos que só fazem agravá-lo.
Um jovem cliente me perguntou: "Qual é sua motivação na vida? A minha é a vingança". Respondi que a minha era amar e ser amado. Disse ele: "É, essa também é boa... mas vingança é melhor!"
Ele era prisioneiro de um canal incompetente da justiça, deixara de viver sua vida para se tornar um vingador. Ele se ressentia da incompetência de seus pais, e era rebelde na vida como forma de vingança. Ou seja, seus pais continuavam mandando nele. O máximo desse tiro no pé é o suicídio de vingança, para deixar os pais culpados. É o único suicídio que me revolta, os outros costumam ser eutanásias.
Mas, veja só, o fato de se perceber prisioneiro do ressentimento, e a injustiça contida nisso, fez com que ele começasse a mudar o rumo de sua vida, a tomá-la para si em vez de dedicá-la a "homenagear" os pais.
Outro canal incompetente da raiva é a inveja: "Ele é mais bonito, rico e inteligente que eu, isso não é justo". O curioso é que a inveja não almeja a igualdade, e sim a inversão da desigualdade: "Quero me dar bem, e que ele se ferre". Isso ajuda a entender muitas ideologias políticas...
O ciúme, por sua vez, ora é injusto, ora é justo: quando nasce um irmãozinho e toda a atenção que o mais velho recebia lhe é retirada, o ciúme que ele tem é mais do que justo, precisa ser considerado e respeitado.
A justiça está ligada ao nosso programa de altruísmo recíproco: mesmo na amizade, se estamos dando muito mais que recebendo, um incômodo/raiva começa a surgir.
Repare em você como a avaliação de justiça/injustiça funciona quase que o tempo todo, aplicada a inúmeras situações.
A psicanálise conta com essa premissa: o complexo de Édipo é injusto, vamos corrigi-lo. A esperança de cura, em psicanálise, reside na força da justiça. A esperança de cura das doenças institucionais do Brasil reside na força da justiça.

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 15.02.2017, caderno cotidiano, B2.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

EMPATIA

Por Rosely Sayão

"Precisamos ensinar virtudes e empatia aos mais novos. Precisamos ensinar virtudes e empatia aos mais novos". Essa frase deveria funcionar como um mantra para todos os adultos que, direta ou indiretamente, convivem com crianças e jovens.
Nos tempos de hoje, julgar e acusar o outro tem sido muito mais comum do que respeitar, compreender, colaborar com ele de forma positiva. E, como sempre, os mais novos têm seguido os passos dessa cultura que nós, adultos, construímos e colocamos em prática com muita frequência.
"Como ajudar um adolescente de 14 anos a aceitar as pessoas que estão ao seu redor para que, em vez de julgar, faça algo para ajudar a melhorar?" Essa pergunta de uma leitora, somada à leitura do texto publicado na Folha"Que espécie de médico as escolas brasileiras estão formando?", de Cláudia Collucci, são ótimos pretextos para falarmos a respeito do assunto.
Já faz tempo que a educação, tanto a familiar quanto a escolar, tem adotado como meta o ensino –e, portanto, a expectativa do aprendizado– dos conteúdos escolares. É por isso que as famílias anseiam por boas notas escolares dos filhos, e escolas consideradas boas são aquelas que têm uma quantidade enorme de conteúdos que devem ser aprendidos pelos alunos, não importa como.
São poucas as escolas que escapam desse foco conteudista, e é, ainda, igualmente pequeno o número de famílias que procuram escolas chamadas alternativas, ou seja, que têm metas diferentes daquelas praticadas pelas escolas tradicionais.
O ensino das humanidades nas escolas tem ocupado lugar secundário na hierarquia das disciplinas, e a reforma do ensino médio oficializa essa posição. Um exemplo é o fato de as disciplinas da área de humanas serem ensinadas para que o aluno aprenda mais conteúdos em vez de aprender, com esse conhecimento, a contextualizar as situações, a compreender, a ser crítico, ético, cidadão, entre outras possibilidades.
A atuação de muitos jovens profissionais –não apenas da medicina, como visto recentemente– nos leva a constatar que o ensino das humanidades nos faz falta, muita falta!
Se queremos que nossos filhos e alunos possam colaborar para mudar a realidade para que tenham uma vida melhor, precisamos parar com essa história de que a escola deve estar sempre correndo atrás do que o mercado aponta buscar. Há um grande paradoxo nessa equação, porque primeiramente o mercado aponta, posteriormente constata a fragilidade da formação dos profissionais que contrata e, então, reclama.
O mundo só melhora se essa equação for invertida: é o mercado que deve correr atrás do conhecimento criado e recriado nas instituições educacionais de todos os níveis. Quando conseguirmos praticar isso, teremos grandes avanços, em todos os sentidos, nas ciências e na prática delas.
É justamente aí que entram o ensino da empatia, das virtudes, da ética, das humanidades em geral. E isso podemos e devemos fazer desde quando as crianças são bem pequenas, no cotidiano da vida. Na maioria das vezes, precisamos, apenas, oferecer as oportunidades às crianças.
Um vídeo poético, disponível na internet, nos mostra como uma jovem mãe realiza isso. Não me canso de assistir a ele e convido você, caro leitor, a se inspirar com o "Caminhando com Tim Tim".

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 21.02.2017, caderno cotidiano, B2

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

RAIVA - DALAI LAMA

Atitudes destrutivas são nossos inimigos internos, a base de todos os problemas. Como são produzidas? A partir da concupiscência e da raiva, cuja raiz é a ignorância. Como causam apenas dano e nunca ajudam, essas emoções aflitivas devem ser superadas. Para isso devemos lidar com suas causas.
Todas as emoções problemáticas derivam da emoção destrutiva básica, uma consciência ignorante que não sabe como as pessoas e coisas realmente são e compreende ativamente mal sua natureza. Deveríamos ver emoções destrutivas como inimigos, primeiro identificando-as e depois desenvolvendo técnicas para destruí-las.
Impelidos por emoções aflitivas, envolvemo-nos em ações que estabelecem tendências contraproducentes na mente. Ações não virtuosas resultam em renascimento em vidas mais infelizes e ações virtuosas resulta em renascimento em vidas mais felizes

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 198 e 199.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

MORTE - DALAI LAMA

Não só você terá de morrer, afinal, como não sabe quando chegará o fim. deveria então fazer preparativos para não ter nenhum remorso, mesmo que morresse esta noite. Se desenvolver uma consciência da iminência da morte, sua noção da importância de usar o tempo com sensatez ficará cada vez mais forte.
(...)
Se tiver em mente quão rapidamente esta vida desaparece, você valorizará seu tempo e fará o que é mais útil. Com um forte sentimento da iminência da morte, você sentirá a necessidade de se empenhar em prática espiritual, aperfeiçoando sua mente e não desperdiçando seu tempo em várias distrações que vão desde comer e beber até intermináveis conversas sobre guerra, aventuras amorosas e mexericos.
(...)
A reflexão sobre a incerteza da hora da morte desenvolve uma mente pacífica, disciplinada e virtuosa, porque está residindo em mais do que as coisas superficiais desta breve vida.
Todos nós partilhamos uma existência marcada pelo sofrimento e a impermanência. Quando reconhecemos quanto temos em comum, vemos que não há sentido em sermos beligerantes uns com os outros.

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 166, 167, 168, 172, 173 e 174.




IMPERMANÊNCIA - DALAI LAMA

Somos excessivamente apegados ao fluxo usual da vida. Temos a sensação de que ela durará para sempre, e com esse tipo de atitude tornamo-nos fixados em superficialidades — bens materiais, amizades e situações temporárias. Para superar essa ignorância, você precisa refletir sobre o fato de que chegará um dia em que não estará mais aqui.
Mesmo que não haja nenhuma certeza de que você morrerá esta noite, quando cultiva uma consciência da morte você admite que isso poderia ocorrer. Com essa atitude, se há alguma coisa que você possa fazer para ajuda-lo tanto nesta vida quanto na próxima, você lhe dará precedência sobre alguma coisa que só o ajudaria nesta vida de uma maneira superficial. Ademais, não sabendo o certo quando a morte virá, você se absterá de fazer alguma coisa que poderia prejudicar tanto a sua vida presente quanto as futuras. Será motivado a desenvolver atitudes que atuem como antídotos para várias formas de mente indomada. Depois, quer você viva um dia, uma semana, um mês ou um ano, esse tempo será significativo, porque seus pensamentos e suas ações serão baseados no que é benéfico a longo prazo. Em contraposição, quando você fica sob a influência da ilusão de permanência e desperdiça seu tempo com assuntos que não vão além da superfície desta vida, sobre grande prejuízo.
(...)
É da natureza da existência cíclica que aquilo que se reuniu — pais, filhos, irmãos, irmãs e amigos — acabará por se dispersar. Por mais que amigos gostem um do outro, por fim deverão se separar. Gurus e discípulos, pais e filhos, irmãos e irmãs, maridos e mulheres, e os melhores amigos — não importa quem sejam — deverão por fim se separar. Além de nos separarmos de todos os nossos amigos, toda a riqueza e recursos que acumulamos — por mais maravilhosos que sejam — se tornarão por fim inutilizáveis; a brevidade desta vida presente nos obrigará a deixar toda a riqueza para trás.
(...)
Como disse Buda: "Compreenda que o corpo é impermanente com um caso de barro".
(...)
As substâncias que compõem os objetos à nossa volta se desintegram a cada momento; de maneira semelhante, a consciência interna com que observamos esses objetos externos também se desintegra a cada momento. Essa é a natureza da impermanência sutil. Os físicos das partículas não dão como certa a aparência de um objeto sólido, como uma mesa; em vez disso, procuram mudanças em seus menores elementos.
(...)
Como nossas atitudes de permanência e amor-próprio são o que destrói todos nós, as meditações mais frutíferas são sobre a impermanência e o vazio da existência inerente por um lado e o amor e a compaixão por outro. Foi por isso que Buda enfatizou que as duas asas de uma ave que voa para a iluminação são a compaixão e a sabedoria.

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 166, 167, 168, 172, 173, 174, 190 e 191.



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

PENSAMENTO CONCEITUAL - DALAI LAMA

O "eu" é simplesmente constituído pela conceitualidade na dependência de mente e corpo; não é estabelecido em virtude de sua própria entidade.
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Buda diz que o mundo todo é dependente de pensamento conceitual.
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Na verdade, objetos externos são parte do processo pelo qual a consciência deles é gerada, como no caso em que vemos uma árvore e seus arredores, mas, se a dependência do pensamento significasse que um pensamento é necessário para construir tudo o que vemos, isso seria um absurdo. Parece-me, portanto, que, afinal de contas, dizer que o mundo é estabelecido por pensamento conceitual significa que os objetos, sem depender da consciência, não podem estabelecer sua existência unicamente por si mesmos. Desse ponto de vista, diz-se que o mundo — todos os fenômenos, tanto pessoas quanto coisas — é constituído por pensamento conceitual.
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A reflexão sobre o entrelaçamento dependente no cerne do surgimento dependente de causa e efeito confirma a compreensão de que os fenômenos são meramente nominais, meramente imputados, e nada mais que isso. Quando você compreende que a mera imputação solapa por si só a ideia de que os fenômenos existem em e por si mesmos, sua tarefa de descobrir a visão budista da realidade está completa. Tenho a esperança de estar me aproximando desse ponto.
Se compreender que, não importa o que pareçam aos seus sentidos ou à sua mente pensante, aqueles objetos são estabelecidos na dependência do pensamento, você superará a ideia de que os fenômenos existem por si mesmos. Compreenderá que não há nenhuma verdade em seu estabelecimento por si mesmos. Compreenderá o vazio, a ausência de existência inerente, que existe além da proliferação de problemas decorrentes da visão dos fenômenos como existentes em si mesmos e fornece o remédio para a eliminação do engano.
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Nada pode existir a menos que seja constituído por conceitualidade. Tudo é visto como dependente da mente — a mente é autorizador.
É por isso que as escrituras budistas dizem que o "eu" e outros fenômenos só existem por meio do poder do pensamento conceitual. Embora o "eu" seja constituído na dependência de mente e corpo, mente e corpo não são o "eu", nem o "eu" é mente e corpo. Não há nada na mente e no corpo (na dependência dos quais o "eu" é constituído) que seja o "eu". Portanto, o "eu" depende do pensamento conceitual. Ele e todos os outros fenômenos são constituídos pela mente. Quando compreende isto, você obtém uma pequena ideia de que as pessoas não existem em e por si mesmas e são apenas dependentemente estabelecidas. E quando vir que os fenômenos geralmente não parecem estar sob a influência da conceitualidade, parecendo existir por si mesmos, você pensará: "Ah! É isto que está sendo refutado".

 DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 166, 167, 168, 172, 173 e 174.


CAUSA E EFEITO - DALAI LAMA

Todos os sistemas budistas afirmam que efeitos surgem na dependência de causas. Aqui causa e efeito estão numa sequência temporal, um efeito ocorrendo após sua causa. Isto é surgimento dependente no sentido de produção independente.
Somente a perspectiva filosófica mais elevada dentro do budismo contém uma consideração adicional, a de que, como a designação de algo como "causa" depende da consideração de seu efeito, nesse sentido uma causa depende de seu efeito. Uma coisa não é uma causa em e por si mesma; é chamada de uma "causa" em relação a seu efeito. Aqui o efeito não ocorre antes de sua causa, e sua causa não passa a existir após seu efeito; é pensando em seu futuro efeito que designamos algo como uma causa. Isto é surgimento dependente no sentido de designação dependente.
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Agente e ação dependem um do outro. Uma ação é postulada na dependência de um agente, e um agente é postulado na dependência de uma ação. Uma ação surge na dependência de um agente, e um agente surge na dependência de uma ação. Entretanto, eles não são relacionados da mesma maneira que causa e efeito, uma vez que um não é produzido antes do outro.
Por que razão as coisa são, em geral, relativas? Por que uma causa é relativa a seu efeito? É porque não é estabelecida em e por si mesma. Se fosse esse o caso, uma causa não precisaria depender de seu efeito. Mas não há causa auto-suficiente, e é por isso que não encontramos nada em e por si mesmo quando examinamos uma causa analiticamente, embora nos pareça em geral que cada coisa tem sua própria existência independente. Como as coisas estão sob a influência de algo diverso de si mesmas, a designação de algo como causa depende necessariamente da consideração de seu efeito. Esse é o caminho pelo qual percebemos que a compreensão mais sutil do surgimento dependente como designação dependente é correta.
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O surgimento dependente de causa e efeito decorre de sua designação dependente, a qual indica ela mesma que causa e efeito não têm existência própria; se tivessem, não teriam de ser designados de maneira dependente.

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 169, 170 e 171.



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O "EU" - DALAI LAMA

Não há nada dentro da mente ou do corpo que possa ser "eu". Mente e corpo são vazios de um "eu" tangível. Mais exatamente, assim com um carro é construído na dependência de suas partes e não é nem mesmo a soma de suas partes, assim o "eu" depende da mente e do corpo. Um "eu" que não dependa da mente e do corpo não existe, ao passo que um "eu" compreendido como dependente da mente e do corpo existe em conformidade com as convenções do mundo. Compreender esse tipo de "eu" que não pode se encontrado de maneira alguma na mente ou no corpo, e não é sequer a soma de mente e corpo, mas sé existe através do poder de seu nome e de nossos pensamentos, é útil quando nos esforçarmos por nos ver como realmente somos".
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O fato é que não há nenhum "eu" independente, separado da mente e do corpo, que os possua. Seus olhos, orelhas e assim por diante são de fato objetos que você vê corretamente como "meus", mas eles não existem da maneira como aparecem tão explícitos para sua mente, isto é, como possuídos por um "eu" inerentemente existente.
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Quando você se dá conta de que o "eu" não existe inerentemente, "meu" deixa de poder existir inerentemente.
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Assim também, quando o pensamento "eu" surge na dependência de mente e corpo, nada na mente e no corpo... é o "eu". Do mesmo modo, não há nada, nem a mais insignificante das coisas, que seja uma entidade diferente de mente e corpo passível de ser apreendido como o "eu". Em consequência, o "eu" é simplesmente constituído pela conceitualidade na dependência de mente e corpo; não é estabelecido em virtude de sua própria entidade".


DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 114 e 166.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

BONDADE - DALAI LAMA

Desde o momento em que nascemos, estamos sob o cuidado e a bondade de nossos pais; posteriormente, quando enfrentamos o sofrimento da doença e da velhice, vemo-nos outra vez dependentes da bondade de outrem. Se no início e no fim de nossas vidas dependemos da bondade dos outros, por que no meio delas não deveríamos agir bondosamente para com eles? É a escolha pragmática.

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 16.



GENEROSIDADE - DALAI LAMA

O antídoto para esses problemas é amor e compaixão, ingredientes essenciais da paz mundial. Somos animais sociais; os principais fatores que nos mantém juntos são amor e compaixão. Quando você sente amor e compaixão por uma pessoa muito pobre, seus sentimento são baseados na generosidade. Em contrapartida, o amor por seu marido, esposa filhos ou um grande amigo é muitas vezes mesclado de apego; e, quando seu apego muda, sua bondade pode desaparecer. O amor completo é baseado não no apego, mas na generosidade, a resposta mais eficaz para o sofrimento.

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 18.



EGOCENTRISMO - DALAI LAMA

Um médico ocidental me disse recentemente que as pessoas que usam com frequência as palavras eu, meu e mim são as que mais correm risco de sofrer um ataque cardíaco. Quando, por causa do egocentrismo, sua visão fica limitada a você mesmo, até um pequeno problema parecerá intolerável.
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Concepções mais rudes de "eu" e "meu" evocam emoções destrutivas mais grosseiras, como arrogância e beligerância, criando dificuldades para si mesmo, para sua comunidade e até para sua nação. Você precisa identificar esses equívocos observando sua própria mente.

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 17 e 37.



COMPAIXÃO E AMOR - DALAI LAMA

COMPAIXÃO E AMOR

A compaixão lhe proporciona de imediato uma sensação de calma, força interior e uma profunda confiança e satisfação, ao passo que não é certo que objeto de seu sentimento de compaixão vá se beneficiar. Amor e compaixão expandem nossa própria vida interior, reduzindo o estresse, a desconfiança e a solidão.
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Se permitirmos que o amor e a compaixão sejam dominados pela ira, sacrificaremos a melhor parte de nossa inteligência humana — o discernimento, nossa capacidade de decidir entre certo e errado. Junto do egoísmo, a ira é um dos mais graves problemas que o mundo enfrenta hoje.
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A semente do amor e da compaixão está intrinsecamente em nós, mas é preciso promovê-la e cultivá-la mediante insight e educação.
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Quando praticar a expansão do amor e da compaixão, tenha em mente que o próprio amor e compaixão e as pessoas que são seus objetos são como as ilusões de um mágico, que parecem existir solidamente em e por si mesmas, mas não fazem. Se você os vir como inerentemente existentes, isso os impedirá de desenvolver amor e compaixão plenamente. Veja-os em vez disso como ilusões, existindo de uma maneira, mas aparecendo de outra. Essa perspectiva aprofundará tanto seu insight do vazio quanto as emoções saudáveis do amor e da compaixão de modo que nessa compreensão você possa se empenhar em atividade compassiva eficaz.
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Verdadeiro amor e compaixão nascem sobre a base do respeito aos outros. Esse sentimento de empatia é alcançado pelo reconhecimento de que você e todos os outros — quer sejam amigos, inimigos ou partes neutras — partilham uma aspiração central ao desejar felicidade e não sofrimento, mesmo que vejam felicidade e sofrimento de maneira diferentes.
                                                    


DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 16,  24, 27, 161 e 181.




FELICIDADE - DALAI LAMA

FELICIDADE

Devemos ter em mente que todos queremos a mesma coisa, de modo que uma pessoa ou grupo não busque a felicidade ou a glória em detrimento de outras.
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Depois que reconhecemos que todos os seres prezam a felicidade e não querem o sofrimento, torna-se tanto moralmente errado como pragmaticamente insensato perseguir nossa própria felicidade ignorando os sentimentos e aspirações de todos os demais membros de nossa própria família humana. Considerar os outros ao perseguir nossa própria felicidade nos leva ao que chamo de "interesse pessoal sensato" em que desejavelmente se transformará em "interesse pessoal comprometido", ou, melhor ainda, "interesse mútuo".
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Como todos nós desejamos conquistar a felicidade e evitar o sofrimento, e como uma pessoa isolada é relativamente sem importância em relação a um sem-número de outras, podemos ver que vale a pena partilhar o que possuímos com os demais. A felicidade, um subproduto do amor e do serviço dos outros, é muito superior ao que ganhamos servindo apenas a nós mesmos"
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A felicidade comum é como o orvalho na ponta de uma folha de capim: desaparece muito depressa. Seu desaparecimento revela que ela é impermanente e está sob o controle de outras forças, causas e condições. Mostra também que não há nenhuma maneira de fazer tudo certo; não importa o que faça no escopo da existência cíclica, você não pode escapar ao alcance do sofrimento. Vendo que a verdadeira natureza das coisas é a impermanência, você não ficará chocado com a mudança quando ela ocorrer, nem mesmo com a morte.

DALAI LAMA, Como saber quem você é, Org. Jeffrey Hopkins, Rio de Janeiro, Agir: 2008, p. 15, 16, 20 e 190.


FALTA DE GRANA MATA O AMOR PORQUE ELE PERECE DIANTE DA FALTA DE HORIZONTES

Por Luiz Felipe Pondé

Afeto tem preço? Sim, tem. E, enquanto você não descobriu o seu preço, ainda não pensou a fundo no tema.
Algum tempo atrás, nesta coluna, escrevi que hoje em dia é difícil saber separar afeto de grana (referia-me especificamente ao amor entre pais e filhos, mas o tema vai além disso, tocando o amor romântico também). Recebi alguns e-mails de leitoras revoltadas dizendo que era um absurdo eu não ser capaz de separar amor e grana. Eu já acho o contrário. Enquanto não pensarmos claramente no quanto amor e grana se misturam, não veremos nenhuma fronteira entre os dois.
Em nossa época, mentiras viraram moeda de troca no mercado do pensamento público. Agradar aos outros é métrica de valor. Eu não jogo esse jogo.
Devemos escapar da armadilha comum de pensar que assumir um preço para o afeto implica ser uma pessoa interesseira. Claro que esse caso óbvio também existe. Penso em pessoas motivadas pelo afeto mesmo e que, tristemente, às vezes, se batem com o limite material delas. Não era outra coisa que o grande Nelson Rodrigues tinha em mente quando dizia que dinheiro compra até amor verdadeiro.
O fato é que grana é um potencializador da vida. Com ela você pode criar um ambiente no qual confiança, bem-estar e um forte sentimento de muitas perspectivas se abrem diante de você. Onde bons sentimentos nascem? Num final de semana prolongado em Roma ou no trânsito de oito horas para Praia Grande?
Grana cria horizontes no quais você se desenvolve e pode sonhar com melhores modelos de você mesmo. Grana dá a você a chance de ser generoso, ousado, seguro de si mesmo. No caso das meninas se dá a mesma coisa.
Acrescentaria que no caso das meninas existe também um delicado sentimento (às vezes enterrado no mais fundo do cotidiano) de que, se alguém te dá uma bijuteria no lugar de uma joia, você se sente uma bijuteria, e não uma joia. E, em alguma medida, com razão. Porque o preço de uma joia representa o valor investido na mulher para quem você dá essa joia.
Homens, que na maioria das vezes ganham mais e são mais escravos da obrigação do sucesso material, se sentem investidos de amor pela mulher quando ela demonstra serem eles a sua prioridade. Quando ela reconhece potência em tudo o que eles fazem –o que não significa só ganhar dinheiro.



Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de horizontes. Do sentimento de que a vida está acabada naquela fórmula pobre de ser. Num cotidiano em que a rotina é sempre a da falta de liberdade de escolha. A dificuldade de enxergar isso torna ainda mais o afeto dependente da grana. A mentira sobre isso torna o amor ainda mais barato porque mais indefeso diante das contingências do dia a dia.
Quer outro exemplo? Você se casa com um cara que tem uma ex-mulher. Se ele der muita atenção para ela e se preocupar muito em deixá-la "bem materialmente" mesmo depois da separação, você vai, sim, achar que ele ainda a ama. Não minta sobre isso só pra ficar bem com o marketing do bem, que deixa o mundo ainda mais cretino do que ele já é normalmente.
O caso do amor entre pais e filhos não é tão diferente, apesar de depender mais da classe social e da cultura do país. No Brasil, da classe média alta pra cima, se você não der um apartamento para cada filho, fracassou como pai.
Imagine que seu pai deixou sua mãe por uma mulher 20 anos mais nova do que ele, e que ele teve um filho com ela. Sei, sei, dizem por aí que todos os jovens tiram isso de letra hoje, mas isso é, também, uma mentira do marketing do bem.
Agora imagine que ele nega para você uma viagem para Paris nas férias, mas faz um lindo quarto de bebê com todas as frescuras que sua nova jovem mulher pede. Quando encontra com você, só fala do novo "irmãozinho". Que tal?
Invertamos a situação. Imagine que você dedicou 40 anos da sua vida para seu filho. Imagine que agora ele é bem-sucedido profissionalmente, mas deixa você viver numa casa de repouso miserável paga com sua aposentadoria.
Onde está a fronteira entre amor e grana aí? Em Roma ou Praia Grande?

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 30 de janeiro de 2017, caderno Ilustrada

ANSIEDADES

Por Rosely Sayão

Já que as férias da criançada estão chegando ao fim, quero convidar você, caro leitor, a refletir sobre alguns pontos da vida de nossas crianças. Ao final do ano passado, a coordenadora de uma escola conversou comigo a respeito do aumento do número de crianças com problemas emocionais no início do ensino fundamental.
Ela estava acompanhando, na época, duas crianças de nove anos que não conseguiam entrar na escola, mesmo chegando até lá, e que tinham crises que as faziam transpirar, tremer e ter taquicardia se a mãe ou a educadora escolar insistisse para que descessem do carro. Essas crises, que ela chamou de pânico, só aconteciam nos horários de ir para a escola, e ambas as crianças já estavam em tratamento psiquiátrico e psicológico.
Além dessas duas, ambas meninas, ela também falou de três meninos, entre oito e 10 anos, que passaram a fazer pequenas quantidades de xixi ou cocô nas calças. Em conversa com os pais desses meninos, eles contaram que, em casa, o fato também estava acontecendo e já haviam tentado diversas estratégias para resolver a questão, sem êxito algum.
Fiquei cismada, procurei professores e coordenadores e ouvi de todos a mesma coisa: em todas as salas havia pelo menos duas crianças com problemas emocionais. Por que será?
Vamos deixar de lado as questões pessoais e familiares de cada uma dessas crianças e tentar entender esse fenômeno de um modo geral.



As crianças estão sendo submetidas, cada vez mais precocemente, a provas, exames, avaliações de diversos tipos, e isso gera ansiedade, não é? Se um adulto, ao fazer uma prova, defesa de teste, entrevista de emprego ou qualquer coisa semelhante sente-se pressionado, ansioso, imagine, caro leitor, uma criança! Ela está em processo de formação e não tem ainda recursos pessoais para administrar sua ansiedade e, por isso, ela surge com algum sintoma, como nos casos citados.
Essa ansiedade que se manifesta em situações de avaliação é fruto da pressão tanto da escola quanto da família. Desta última principalmente, que quer, cada vez mais, filhos que sejam alunos exitosos e que gostem de estudar, pois acreditam que isso garantirá um futuro pessoal confortável. Não garante!
Nenhuma criança merece passar por provas antes dos dez anos! Algumas escolas já entenderam isso e suprimiram as provas nos primeiros anos da vida escolar. Além disso, nenhuma criança pode ser tratada como o adulto que deverá ser. Criança precisa ter vida de criança, e é justamente isso que pode ajudar no seu futuro.
Um outro ponto que precisa ser considerado, principalmente no caso das crianças com incontinência urinária, é o da cultura da instantaneidade em que elas estão sendo criadas. Tudo é para agora, para já, e os pais fazem o possível para que isso aconteça. Muitas crianças simplesmente não sabem esperar. Por nada. Nem pelo tempo para ir ao banheiro. Isso não é bom para elas.
Para viver é preciso coragem, paciência, perseverança e resiliência, entre outras coisas. Temos focado tanto, tanto no aprendizado dos conteúdos escolares pelos mais novos, que pouco tempo sobra para sua formação pessoal, como no caso das características descritas acima. Isso, sim, poderá afetar a vida deles no futuro! E não será para o seu bem.

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 24 de janeiro de 2017,, caderno cotidiano, B2

O HOMEM DO SÉCULO 21

Por Luiz Felipe Pondé

O que será o homem do século 21? Refiro-me a gênero, e não à espécie. Mais especificamente ao homem heterossexual. Aquele que as mulheres procuram, mas não acham mais à mão. O homem heterossexual é capaz de vida inteligente? Ou só pensa em comer a mulherada?
Minha hipótese é que, à medida que ele ficar mais "inteligente", menos ele se interessará em comer a mulherada. Mais ele ficará interessado em si mesmo. Mesmo porque a mulherada está bem fácil de comer. Mais ele se perguntará, de fato: "O que eu quero pra minha vida?". Isso em vários momentos da vida.
Essa pergunta masculina terá um efeito tão violento na cultura quanto a emancipação feminina. Casamentos acabarão. Filhos desaparecerão. O mercado de trabalho sofrerá com decisões masculinas que afastarão os homens de carreiras corporativas e os aproximarão de trabalhos com mais sentido e menos estresse.
A "opressão" sobre o homem heterossexual vai acabar e, quando isso acontecer, as meninas ficarão bem perdidas em suas certezas desde os anos 1960 do século 20.
Essa pergunta masculina acerca do que ele de fato quer na vida empurrará as meninas para a experimentação lésbica por puro desespero. A conta afetiva do sofrimento masculino com a emancipação feminina finalmente chegou. E será cara. Quem continuar a encher o saco achando que tudo é "culpa do patriarcalismo" será identificada em locais públicos como responsável pelo fracasso da reprodução da espécie.
Eu sei que existe aquela piada sobre como é impossível satisfazer uma mulher e como é simples satisfazer um homem. Basta trazer uma cerveja e vir pelada. Lamento dizer, mas isso nunca foi verdade. Melhor se ela vier vestida de executiva de sucesso com saia justa. Ou vier vestida de enfermeira ou comissária de bordo. Ou, no mínimo, de calcinha e salto alto. Um batom vermelho na boca para ser borrado.
Sim, vai ficar difícil entender nós outros. Difícil também porque o feminismo histérico (aquele que entra embaixo dos lençóis) fez da histeria laço social. E muitos psicanalistas tontos olham e não sabem mais reconhecer a histeria quando a ela diz "bom dia, estou aqui na sua cara!".
A emancipação feminina e a histeria (que não são necessariamente a mesma coisa) como laço social obrigaram ao homem a se "mexer". Ele agora é obrigado a assumir vocabulários subjetivos (em homenagem a moçada que curte o Richard Rorty), antes privilégio (ou maldição) do mundo feminino. O homem evoluiu (sim, sou darwinista) num ambiente mais objetivo de caça, mais violento, com menos possibilidade de conversa.
Daí ele ser, na maioria dos casos, mais silencioso e travado.
As meninas terão que se esforçar um pouco mais para conseguir um espécime que ache que elas valem algum investimento. Afora aqueles que simplesmente ficarão meio "frouxinhos", sem saber se aderem ou não à moda trans, querendo ser mais feministas do que a pior das feministas (não tem coisa mais chata do que homem feminista...), incapazes de tomar alguma atitude, inseguros, que tremem diante da possibilidade de que alguém os chame de "machistas", tem também os babacas de sempre que ainda não entenderam que as meninas estão mais bravas hoje em dia.
Na "ponta das meninas", o fato é que elas estão meio fálicas. E não existe coisa mais chata do que uma mina fálica. A espécie seguramente acabará pelas mãos de um "casal" em que ele será um feminista e ela uma fálica. Deus dirá: "De fato devo sair do mercado criativo, deu errado meu projeto, talvez investir de novo nos dinossauros?".
Existe também a possibilidade (e muitos têm feito isso no Ocidente) de buscar opções mais ao leste da Europa. Uma mina de minas mais doces, carinhosas (além de maravilhosamente lindas), afetivas e atenciosas, ainda não estragadas pelo capitalismo e sua histeria fálica.
A mulher do século 21 que quiser um homem inteligente para ela terá que reaprender a relaxá-lo, ao invés de simplesmente acusá-lo de ser "opressor". Menos histeria e mais generosidade. Menos cobrança e mais cuidado. A mulher livre exige respeito, o homem livre exigirá doçura.

Publicado no jornal Folha de São Paulo de 23 de janeiro de 2017, caderno Ilustrada, C6