Balança & Espada

"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito" (JHERING)



Jurisprudência

terça-feira, 31 de outubro de 2017

ANNA KARIÊNINA - IV

O aspecto do irmão e a proximidade da morte fizeram ressurgir, na alma de Liévin, aquele sentimento de horror diante do indecifrável, e também da proximidade e da inevitabilidade da morte, que o dominara naquela noite de outono, em que o irmão viera à sua casa. Tal sentimento era agora ainda mais forte do que antes; sentia-se ainda menos capaz do que antes de entender o sentido da morte e lhe parecia ainda mais horrorosa a sua inevitabilidade; mas agora, graças à proximidade da esposa, esse sentimento não o levava ao desespero: apesar da morte, ele sentia a necessidade de viver e de amar. Sentia que o amor o salvara do desespero e que esse amor, sob a ameaça do desespero, se tornava ainda mais forte e mais puro.
O mistério da morte mal tivera tempo de se desvendar diante de seus olhos, permanecendo indecifrável, quando irrompeu um outro, igualmente indecifrável, que o  impelia a amar e a viver.
O médico confirmou sus suspeitas a respeito de Kitty. Seu mal-estar era a gravidez.

(Anna Kariênina, Liev TOSTÓI, Trad. Rubens Figueiredo, São Paulo: Cosacnaify, 2013, pp. 495 e 496).


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

ANNA KARIÊNINA - III

— O senhor agiu mal, muito mal.
— E acaso ignoro que agi mal? Mas quem foi a causa de eu ter agido assim?
— Por que o senhor me diz isso? — perguntou Anna, lançando-lhe um olhar severo.
— A senhora sabe o por quê — respondeu, com audácia e alegria, encarando seu olhar, sem desviar os olhos.
Não ele, mas ela sim perturbou-se.
— Isso apenas vem mostrar que o senhor não tem coração — disse Anna. Mas seu olhar dizia que ela sabia que Vrónski tinha coração e por isso o temia.
— Isso a que a senhora se referiu foi um engano, e não amor.
— O senhor lembre que eu o proibi de pronunciar esta palavra, esta palavra detestável — disse Anna, sobressaltada; mas no mesmo instante se deu conta de que com aquela palavra, proibi, mostrava que reconhecia ter certos direitos sobre ele e, por isso mesmo, o incentivava a falar de amor.— Há muito eu queria dizer isto ao senhor — prosseguiu, fitando decidida os olhos de Vrónski e toda ela ardendo, no rosto corado que queimava — e hoje vim aqui de propósito, sabendo que o encontraria. Vim dizer ao senhor que esto deve terminar. Nunca me ruborizei diante de ninguém, mas o senhor me obriga a me sentir culpada.
Ele a fitou e ficou impressionado com a nova beleza espiritual do seu rosto.
— O que a senhora quer de mim? — perguntou, de modo simples e sério.
— Quero que vá a Moscou e peça desculpas a Kitty — respondeu Anna, e uma pequenina luz começou a cintilar em seus olhos.
— A senhora não quer isso — disse ele.
Vrónski notava que Anna dizia aquilo que se obrigava a dizer e não o que desejava.
— Se o senhor me ama, como diz — sussurrou —, faça isso, para que eu fique em paz.
O rosto de Vrónski iluminou-se.
— Acaso ignora que a senhora é toda a minha vida! Mas, paz eu não conheço e não posso lhe dar. Todo o meu ser, o amor... sim, posso. Não consigo pensar na senhora e em mim separados. A senhora e eu somos um só, para mim. E não vejo, no futuro, nenhuma possibilidade de paz, nem para mim, nem para a senhora. Vejo a possibilidade de desespero, de infelicidade... ou vejo a possibilidade de felicidade, e que felicidade!... Será mesmo impossível? — acrescentou, só com os lábios; mas Anna ouviu.
Com toda a força do pensamento, Anna se obrigava a dizer o que devia ser dito; mas, em vez disso, concentrou no olhar dele o seu próprio olhar, repleto de amor, e nada respondeu.
"Aí está ele!", pensou Vrónski, com um arroubo. "Quando eu já começava a perder a esperança e quando parecia que isso não ia mais ter fim, aí está ele! Ela me ama. E o admite."
— Então, faça isto por mim, nunca mais me diga essas palavras e sejamos bons amigos — pediu a voz de Anna, mas seus olhos diziam algo bem diferente.
— Não seremos amigos, a senhora sabe disso. Seremos os mais felizes ou os mais infelizes dos seres humanos. Isto está em suas mãos.
Anna quis dizer algo, mas ele a interrompeu.
— Só lhe peço uma coisa, o direito de esperar, de sofrer, como agora; mas se isso também for impossível, mande que eu desapareça, e eu desaparecerei. A senhora não mais mais me verá, se a minha presença lhe for penosa.
— Não tenho a intenção de banir o senhor.
—Apenas não mude nada. Deixe tudo como está — disse ele, com voz trêmula.

(Anna Kariênina, Liev TOSTÓI, Trad. Rubens Figueiredo, São Paulo: Cosacnaify, 2013, pp. 147 e 148).



segunda-feira, 23 de outubro de 2017

ANNA KARIÊNINA - I

(...) Toda vez que Vrónski falava com Anna, inflamava-se nos olhos dela um brilho de contentamento, e um sorriso de felicidade arqueava seus lábios rosados. Anna parecia fazer um esforço contra si mesma para não demonstrar esses sintomas de contentamento, mas eles sobressaíam, por si mesmos, em seu rosto. "Mas e quanto a ele?" Kitty observou Vrónski e horrorizou-se. Aquilo que Kitty pressentira tão claramente no espelho do rosto de Anna, reconheceu em Vrónski. O que havia acontecido com a sua maneira sempre calma e firme e com a expressão serena e despreocupada do seu rosto? Não, agora, toda vez que ele se voltava para Anna, curvava um pouco a cabeça, como se quisesse atirar-se diante dela, e no olhar de Vrónski só havia uma expressão de submissão  e de temor. "Não desejo ofendê-la", parecia dizer o seu olhar, a cada instante, "mas quero salvar-me, e não sei como". Em seu rosto, havia uma expressão que Kitty jamais vira".

Anna sorria, e seu sorriso contagiava Vrónski. Ela se punha pensativa, e ele se fazia sério. Alguma força sobrenatural atraía os olhos de Kitty na direção do rosto de Anna. Ela estava encantadora em seu simples vestido preto, eram encantadores seus fornidos braços com braceletes, era encantador o seu pescoço firme com o cordão de pérolas, encantadores os cabelos encaracolados com o penteado em desalinho, encantadores os movimentos leves e graciosos dos pequeninos pés e mãos, encantador o belo rosto com sua vivacidade; mas havia algo de horrível e de cruel no seu encanto.

(Anna Kariênina, Liev TOSTÓI, Trad. Rubens Figueiredo, São Paulo: Cosacnaify, 2013, pp. 91, 92 e 93).







ANNA KARIÊNINA - II

— Eu não sabia que o senhor ia viajar. Por que viaja? — perguntou Anna, depois de baixar a mão, com que quase havia segurado o balaústre. E uma alegria e um entusiamo irresistíveis brilharam em seu rosto.
— Por que viajo? — repetiu ele, fitando-a nos olhos. — A senhora sabe, eu viajo para poder estar onde a senhora estiver — disse. — Não posse agir de outro modo.
Nesse exato momento, como se estivesse vencido um obstáculo, o vento dispersou em borrifos a neve que estava depositada sobre os vagões, fez trepidar alguma chapa de ferro solta e a locomotiva, lá na frente, pôs-se a bramir o apito penetrante, de um modo lúgubre e tristonho. Para Anna, todo o horror da nevasca parecia, agora, ainda mais belo. Vrónski falara exatamente  o que a alma de Anna desejava, mas que sua razão temia. Ela nada respondeu e, em seu rosto, Vrónski viu um conflito.
— Perdoe-me, se o que eu disse não lhe agrada — disse ele, em tom submisso. Falava com cortesia e respeito, mas de um modo tão firme e tenaz que ela, por um  longo tempo, nada conseguiu responder.
— Não está certo o que o senhor disse e eu lhe peço, ser for um homem correto, que esqueça o que acabou de falar, como eu vou esquecer — respondeu, afinal.
— Não posso e nunca esquecerei uma palavra da senhora, nem um movimento da senhora...

(Anna Kariênina, Liev TOSTÓI, Trad. Rubens Figueiredo, São Paulo: Cosacnaify, 2013, p. 111 e 112).



terça-feira, 10 de outubro de 2017

CHE GUEVARA É VENERADO PORQUE TEM SANGUE VERDADEIRO PARA MOSTRAR

Por João Pereira Coutinho

Che Guevara morreu há 50 anos e ainda há quem lhe conceda o benefício da dúvida. Na semana passada, recebi um convite para um "debate" sobre Guevara e o seu legado. Pensei que era piada. Ainda perguntei: "Vocês querem saber se ele matou muito ou pouco?".
Ninguém riu. A ideia era mesmo "debater". Eu estaria entre os "críticos" (muito obrigado) e, do outro lado da mesa, estariam os apologistas. Recusei.
Aliás, quando o assunto são psicopatas, eu recuso sempre —uma questão de respeito pela minha própria sanidade. Nunca me passaria pela cabeça debater seriamente o Holocausto com um negacionista. Por que motivo o comunismo seria diferente? Escutar alguém a defender a União Soviética é tão grotesco como estar na presença de um neonazi a defender Hitler e o Terceiro Reich.
De igual forma, também nunca me passaria pela cabeça convencer terceiros sobre a monstruosidade do nazismo —ou a do comunismo. Como se ainda houvesse dúvidas.
Não há -e, no caso de Guevara, o próprio deixou amplos testemunhos a comprovar a sua excelência. O culto do ódio; a excitação do cheiro a sangue; a necessidade de um revolucionário ser uma "máquina de matar" -o Che não enganava.
E os fuzilamentos, que ele executou ou mandou executar, são ostentados pelo nosso Ernesto como se fossem medalhas na farda de um general. A criminalidade de Che Guevara não é questão de opinião. Isso seria um insulto ao próprio.
Mas há um ponto que me interessa sobre o Che: a sua sobrevivência como símbolo. Atenção: não falo de adolescentes retardados que desconhecem o verdadeiro Che e ostentam na camiseta o retrato que Alberto Korda lhe tirou. A adolescência é uma fase inimputável que, nos piores casos, pode durar uma vida inteira.
Não. Falo dos intelectuais que, conhecendo Che Guevara e o seu "curriculum vitae", o canonizam sem hesitar. O que leva pessoas inteligentes a aplaudir um criminoso?



O sociólogo Paul Hollander dá uma ajuda no seu "From Benito Mussolini to Hugo Chávez - Intellectuals and a Century of Political Hero Worship". O título, apesar de longo, é importante.
Em primeiro lugar, porque Hollander não discrimina entre "direita" ou "esquerda". O totalitarismo só tem um sentido —a sepultura.
Em segundo lugar, porque não é a natureza dos regimes que interessa ao sociólogo; é a devoção dos intelectuais pelos "heróis" revolucionários do século.
No caso de Che, existem explicações históricas —e psicológicas.
As históricas lidam com a Revolução Cubana de 1959, ou seja, três anos depois de Nikita Khrushchev ter denunciado os crimes do camarada Stálin.
A desilusão foi profunda —e, para a "nova esquerda", a União Soviética deixava de ser o farol da humanidade. Era apenas mais um estado opressor (como os Estados Unidos, claro) que atraiçoara a beleza do ideal marxista.
A partir da década de 1960, os "peregrinos políticos" (expressão de outro livro famoso de Hollander) passaram a ver o Terceiro Mundo —Cuba, China, Vietnã, Nicarágua— como o paladino virginal da libertação do homem. Fidel Castro e o seu ajudante Che Guevara ocuparam os papéis principais como "bons selvagens".
Mas existe um motivo suplementar para Che palpitar no peito dos intelectuais, escreve Hollander: o fato de ele não ser um intelectual "defeituoso".
Uma história ajuda a compreender o adjetivo: em 1960, Sartre visitou Cuba e comoveu-se com as confissões de Fidel. "Nunca suportei a injustiça", disse o Comandante. Sartre concluiu que Fidel entendeu como ninguém "a inanidade das palavras".
Tradução: não basta falar contra o imperialismo/capitalismo/colonialismo; é preciso agir. Che Guevara, que Sartre batizou como "o mais completo ser humano do nosso tempo", simboliza essa totalidade. Alguém que não se fica pelas palavras —e passa aos atos. Che Guevara é venerado porque tem sangue verdadeiro para mostrar.
É um erro afirmar que os "intelectuais revolucionários" que admiram Che Guevara continuam a prestar-lhe homenagem apesar da violência e do crime. Pelo contrário: a violência e o crime estão no centro dessa homenagem.
Che sobrevive porque foi capaz de ser o "anjo exterminador" que todos eles sonharam e não conseguiram. 

*Publicado em jornal Folha de São Paulo de 10 de outubro de 2017.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

EXISTÊNCIA

A existência está esperando. Quando vê que você está trabalhando por si mesmo, ela não interfere. Ela espera. Pode esperar infinitamente porque a existência não tem pressa. Ela é a eternidade.Mas no momento em que você não está mais agindo por si mesmo — no momento em que você desiste, no momento em que você desaparece — toda a existência se precipita na sua direção, penetra dentro de você. E pela primeira vez as coisas começam a acontecer.

OSHO, Autobiografia de um místico espiritualmente incorreto, São Paulo: Planeta, 2016, p. 98 e 99.


quinta-feira, 20 de julho de 2017

HITLER, O MEDÍOCRE VAGABUNDO

Por Jorge Quadros

Quando achamos que já sabemos tudo sobre o nazismo, surgem novas informações. Nossa interpretação evolui, assim como nossa maturidade nos ajuda a entender e a compreender melhor os fatos.
Recente documentário na Netflix (Hitler: uma carreira, direção Joachim Fest e Christian Herrendoerfer, Alemanha, 1977) demonstra que Hitler era um vagabundo: nunca trabalhou na vida. Nunca foi tirada uma foto sua trabalhando na sua escrivaninha na Chancelaria; nunca fora realizada uma reunião na mesa de conselho de ministros.

Hitler vivia viajando dentro do País, para fazer discursos o tempo todo, porque só isso lhe dava prazer na vida. Gritar, rosnar, gesticular e receber Heil Hitler. Discursos vazios, estéreis, que não diziam nada com nada. "Alemanha acima de todos", o tempo todo. Vingança, raça superior, etc. Discursos de ódio, com representação caricaturesca. Um farsante escolhido pelo povo, que sabia muito bem quem ele era e quais os seus propósitos. Ele deixara claro isso, porque escrevera o livro Minha Luta quando preso, no início de sua tragicomédia.
Hitler, porém, deixou vários legados para o mundo, a maior parte deles contrários a seus interesses:
1) criação do Estado judeu; 2) Muro de Berlim durante décadas; 3) tabu e vergonha para o alemão comentar a guerra com pessoas de outras nacionalidades (japoneses e italianos não têm esse problema); 4) criminalização do antissemitismo; 5) invasão muçulmana na Alemanha; 6) destruição da Alemanha e da Europa (arte, história, arquitetura etc); 7) Mercado Comum Europeu e depois união política (internacionalismo, em vez de nacionalismo); etc.
Hitler era mesmo um vagabundo. Complexado pela pobreza em Viena, em vez de progredir com o estudo e o trabalho, passou à política com o discurso do ódio. Se tivesse se deixado levar pela ideologia marxista, teria transferido seu ódio para os "capitalistas", "burgueses", "banqueiros" e "classe média" (isso, aliás, lembra o discurso da filósofa petista Marilena Chauí), mas, miserável como era de espírito e cultura, tomou um caminho irracional e obscuro: preferiu transferir o ódio aos vitoriosos da I Guerra Mundial e aos judeus.
O povo alemão, que certo dia produzira a 9ª Sinfonia (Beethoven) e escrevera Fausto (Goethe), quis e venerou o vagabundo.


sábado, 17 de junho de 2017

ILUMINAÇÃO

"Você pode querer saber o que aconteceu quando me tornei iluminado. Eu ri, dei uma verdadeira gargalhada quando vi o total absurdo de tentar iluminar-se. A coisa toda é ridícula, porque nascemos iluminados e é a coisa mais absurda tentar ser algo que já se é. Se uma pessoa já tem algo, não pode atingi-lo; só as coisas que você não tem, que não são partes intrínsecas do seu ser podem ser atingidas, mas a iluminação é sua própria natureza".
(...) A iluminação não pode ser transformada em uma ambição.
(...)
"'O dia em que me tornei 'iluminado' significa simplesmente o dia em que compreendi que não há nada a atingir; não há lugar algum para ir, não há nada a ser feito. Nós já somos divinos e já somos perfeitos como somos, Nenhum aprimoramento é necessário, absolutamente nenhum. Deus não cria ninguém imperfeito".

OSHO, Autobiografia de um místico espiritualmente incorreto, São Paulo: Planeta, 2016, p. 93 e 94.



MEDO

"A vida é a base de todas as preocupações. Se você vai morrer um dia, por que se preocupar?
(...)
Se aceitarmos a morte, não existe medo. Se nos apegarmos à vida, então todo o medo está presente.
(,,,)
Quando aceitarmos totalmente a morte, nós nos tornamos conscientes dela".

OSHO, Autobiografia de um místico espiritualmente incorreto, São Paulo: Planeta, 2016, p. 83.


terça-feira, 2 de maio de 2017

SOLIDÃO

Um sannyasin é aquele que aceitou a própria solidão. Isso é fundamental. Tornando-se um sanyasin,você não está se tornando parte de uma organização... você está se tornando suficientemente corajoso para aceitar um fato: que o homem existe em solidão. E isso é tão fundamental que não há jeito de escapar; é tão fundamental como a morte. Na verdade, a morte não faz mais do que avisá-lo de que você sempre esteve sozinho e que continua sozinho.
(...)
Tornar-se um sanyasin significa que você anulou a morte, e pode lhe dizer: "Agora você pode vir, que não encontrará nada para destruir, pois eu mesmo destruí tudo". O sannyas é uma morte voluntária, é um suicídio espiritual. É uma declaração: "Estou só, e minha solidão é tão fundamental que não há jeito de perdê-la".
(...)
Você não pode escapar da morte, e não pode escapar da solidão. Tente quanto quiser, mas todos os seus esforços fracassarão. Ninguém nunca conseguiu evitar a solidão, pois ela está em seu ser. Quando você está evitando a solidão, está evitando você mesmo; como você pode evitar a si mesmo? Como fugir de si mesmo? Tentando fugir, você perde a beleza de ser só. Na verdade, você começa a pensar que está sozinho, pois está perdendo a beleza da solidão.
Estar só é belo; estar solitário é feio. Os dois não significam a mesma coisa, embora o dicionário diga que sim. A solidão é uma experiência muito bela. Você é puro, não está contaminado pela presença de ninguém, não há nenhuma sombra sobre você. Há uma claridade, uma limpidez... seu ser puro, virgem — ninguém nunca viajou nesse território de tremenda beleza, silêncio, bem-aventurança.
(...)
Estar solitário é feio. Essa ideia surge quando você tenta escapar de si mesmo e não pode escapar. Então você cai nesse estado solitário e sente falta do outro. Você não vê sua própria presença, e sente falta da presença do outro; seu enfoque está todo errado. Você não olha para dentro de si; olha para fora. Você diz: "Algum amigo podia vir aqui... ou devo ir ao restaurante? Ou devo ir ao clube, ou ao cinema, ou ver televisão? O que devo fazer?" Você não olha para dentro; olha para fora. Você espera pelo outro, seus olhos procuram o outro... e o outro não está.




(...) Você pode amar, mas não pode pertencer, não pode apegar-se. Você pode amar, mas não pode possuir nem ser possuída. Sua liberdade é suprema; ninguém pode possuir você, ninguém pode torná-la uma escrava. Você não pode tornar-se sombra de ninguém. É isso o que quero dizer quando afirmo que sua solidão é suprema.(...)
O que é meditação? É entrar na solidão. É ir para o mais profundo de seu ser, onde ninguém nunca entrou, onde você, e só você, pode entrar. Essa é a sua intimidade, a sua subjetividade.
Você pergunta: Às vezes vem um sentimento de não pertencer a lugar nenhum... você não pertence. Isso é bom; esse sentimento não é errado. Ele simplesmente traz à realidade. (...)
Às vezes vem um sentimento de não pertencer a lugar nenhum... você não pertence. O todo é seu; você não pertence a lugar nenhum... pois isso seria muito limitado. Tudo é seu: Deus, o céu, tudo é seu. Você não pertence a lugar nenhum. Pertencer seria uma limitação, uma finitude, e o infinito é seu.
(...)
Somos realmente tão sós? Somos... mais do que você pensa.
(...)
Mahavira, um dos maiores Mestres do mundo, chamou o último estado de "kaivalya". Kaivalya significa solidão absoluta,,, essa palavra é de grande beleza. Ele diz: Quando você atinge o seu ser mais profundo, torna-se absolutamente livre, e esse estado é de pura solidão — kaivalya. E, a partir daí, a luz, a compaixão; tudo nasce daí; por isso, não evite a solidão.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p.210/214.

IDEOLOGIA

Você foi ensinado a ser cristão, hindu, muçulmano; como pode a consciência ficar confinada a ideologias? As ideologias são produtos da mente; a consciência está muito além. Ideologias são ficções, não têm nada a ver com a verdade. A verdade é a sua consciência, mas você dá mais atenção às ideologias e se esquece da verdade. Você luta, discute, prova e desaprova, Ensinaram-lhe que alguém é indiano, que o outro é chinês, o outro japonês. Ou que você é comunista ou fascista, isso ou aquilo; milhares de doenças foram implantadas em você... você quer ser feliz. Para isso, terá que abandonar todas essas ideias.


OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 204.

COMPARAÇÃO

"Você também foi sempre ensinado a comparar, e a comparação traz infelicidade. Cada indivíduo é incomparável; ninguém é mais como você; como comparar?
(...)
No momento em que você compara, está criando um inferno à sua volta. Desde sua infância você foi ensinado: "Seja como fulano. Veja o filho do vizinho como é inteligente e você como é estúpido. Veja como a fulana é madura e você é tão imatura", e assim por diante. Essas comparações fazem você sentir-se infeliz. Você é você mesmo: não há ninguém como você, nunca houve e nunca haverá. Deus nunca repete.
Você é único. E quando digo "único", não é um sentido comparativo; você não é mais único que os outros e, sim, cada um é único. A unicidade é muito comum; todo mundo é único. Quando você começa a comparar, acaba ficando neurótico e, mais cedo ou mais tarde, irá parar num divã de psiquiatra.
(...)
A comparação cria tensão, ansiedade".
(...)
Pág, 217:
"Não compare; não há necessidade. A comparação é uma das maiores calamidades que aconteceram com a humanidade. Você é perfeito do jeito que é. Ame-se, respeite-se. Se você não se respeitar, quem irá respeitá-lo? Se você não se amar, quem irá amá-lo? As pessoas não se respeitam, e esperam que os outros as respeitem.. Elas não se amam, e querem que todos se apaixonem por elas. Assim, você está querendo o impossível. Ame-se e respeite-se; uma pessoa que se respeita nunca compara. A comparação é um desrespeito.
Se você sintetizar tudo isso, terá o seguinte: ser egoísta é não ter respeito por si mesmo. Se um indivíduo é perfeitamente bom, mas ser egoísta é desrespeitoso... ".



OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 203, 217 e 218.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

FELICIDADE

(...) todos aprendem que a felicidade existe no futuro. Isso é um absurdo. A felicidade existe aqui/agora. (...) A felicidade não depende de nada e toda criança nasce feliz.
As ambições criam a miséria e nunca deixam feliz.
(...)
Você pode ter uma casa grande, mas não será feliz, pois existirão sempre casas maiores do que a sua, e isso criará infelicidade. Você pode ter uma bela mulher, mas existem milhares de mulheres mais bonitas no mundo, e isso não o deixará feliz. Você pode ter dinheiro, mas nem isso o fará feliz, pois sempre poderá ter mais. Esse é o truque: o "mais" foi implantado em você como eletrodo: "Tenha mais, então será feliz". Como você pode ter mais? Qualquer coisa que você tenha sempre poderá imaginar mais. Se você tem dez mil cruzeiros, pode imaginar vinte; se tem vinte, pode imaginar quarenta. Como pode parar esse "mais"? Qualquer coisa que você tenha, sempre será menos que o "mais", e isso criará infelicidade.
Você também foi sempre ensinado a comparar, e a comparação traz infelicidade.


Pág. 206:
O que você pode dizer por felicidade? Quando foi a última vez que você foi feliz? Você pode lembrar-se de algum momento em sua vida em que foi realmente feliz? Você ficará surpreso, mas toda a sua vida parece um deserto. Você tem esperado... mas não experimentou a felicidade. Essa vida desértica é o que você quer dizer quando afirma: "Eu sou". Esse é o seu ego: todo esse pus, esse estado cancerígeno, toda essa doença e neurose — é a isso que você chama de "eu sou". Esse é o seu ego.
(...)
Você tem que desaprender o que a sociedade colocou em você. Você tem que recuperar a infância; tem que renascer. Foi isso o que Jesus disse a Nicodemos: Você terá que renascer. Tem que morrer como você é, e tem que renascer. Tem que se limpar da sociedade.
Pág. 209:
Seja você mesmo e esqueça o que os outros têm tentado fazer de você. Declare-se livre! Deixe que a liberdade seja a sua primeira e última lei; que a liberdade seja a sua religião. E seja rebelde.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 203, 206,  207 e 209.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

DIVINA MELODIA (QUATRO PONTOS)

Quatro pontos para atingir a divina melodia.

1) O primeiro é: esteja aqui/agora, pois o amor só é possível no aqui/agora. O amor só é possível no presente.
(...)
Se você pensar muito — e pensar está sempre no passado ou no futuro — suas energias serão desviadas do sentimento. Sentir é aqui/agora. Se suas energias estão indo para o pensamento, não serão suficientes para o sentimento, e o amor não será possível.
(...)
O futuro e o passado trazem o pensamento, e este destrói o sentimento. Uma pessoa muito obcecada pelo pensamento, pouco a pouco, esquece-se completamente de que também tem um coração. (...) A cabeça deve ser usada como um servo, e não como um senhor. Quando a cabeça torna-se o senhor e o coração é deixado para trás, você vive, morre, mas não saberá o que é Deus, pois não saberá o que é o amor.
(...)
O amor é o começo de Deus, ou Deus é o supremo pico do amor.

2)  O segundo passo em direção ao amor, em direção à melodia divina, é: aprender a transformar seus venenos em mel.
(...)
Quando vier a raiva, não faça nada; apenas sente-se em silêncio e observe. Não fique contra, nem a favor. Não coopere, nem reprima. Apenas observe, seja paciente e veja o que acontece... deixe acontecer.
Lembre-se de uma coisa: não faça nada no momento de raiva: espere. Dê um pouco de tempo e espere... e você ficará surpreso. E um doa, compreenderá que, se esperar o suficiente, a raiva se tornará compaixão. É uma roda que se move por si mesma, mas você está com pressa. Assim como a noite torna-se dia, a raiva torna-se compaixão se você esperar um pouco. É a mesma energia — só é preciso paciência e nada mais. Experimente.
(...) tudo muda para o seu oposto, continuamente.
(...)
Aja quando o santo estiver predominando; isso é tudo. Não haja quando o pecador for predominante, quando a raiva for predominante, se não, você se arrependerá, criará uma reação em cadeia e entrará no karma.
(...)
O que estou dizendo não é repressão. Não estou dizendo para reprimir o negativo e, sim, para observar o negativo. (...) pegue um espelho e olhe para seu rosto irado. (...) Continue olhando para o espelho: o rosto vermelho, os olhos vermelhos, o assassino está ali.
Você já pensou que todo mundo carrega um assassino dento de si?
(...)
Tudo muda, nada fica permanentemente. Então, por que ter pressa. Se a raiva veio, irá embora.
(...)
Aja quando estiver positivo. Não force a positividade; deixe-a vir por si mesma. Esse é o segredo, é isso que significa "aprender a transformar seus venenos em mel".


3) O terceiro ponto é: compartilhar. Sempre que estiver negativo, fique com você mesmo. Sempre que estiver positivo, compartilhe. Normalmente, as pessoas compartilham suas negatividade e não suas positividades.
(...)
O que é importa é que você está dando. Quando tiver, dê.
(...)
Você só tem amor na medida em que o compartilhou. O amor não é uma propriedade a ser guardada.; é um brilho, uma fragrância a ser compartilhada. Quando mais você dá, mais você tem; quanto menos dá, menos tem. Quanto mais compartilhar, mais estará brotando do seu interior, que é infinito, mais estará jorrando de você.
(....)
compartilhe sua positividade, sua vida, tudo o que você tem. Qualquer coisa bela que esteja em você não guarde, nunca. Compartilhe sua sabedoria, sua prece, seu amor, sua felicidade, seu deleite.
(...)
Guardar envenena o coração. Tudo que se acumula é venenoso. (...) E quando você der não se importe se há resposta ou não. Nem mesmo espere por um obrigado. Sinta-se grato com a pessoa que permitiu que você compartilhasse algo com ela. Não espere nada; não queira que o outro se sinta agradecido porque você compartilhou algo com ele. Sinta-se agradecido, porque ele estava pronto para ouvi-lo, para repartir alguma energia com você... para ouvir sua canção... ver a sua dança... e por não ter recusado o que você veio lhe dar; ele poderia ter recusado.
Compartilhar é uma das virtudes mais espirituais, uma das maiores virtudes espirituais.

4) E o quarto passo é: seja nada. (...) O amor só flui de alguém que é um ninguém. O amor habita somente no nada. Quando você está vazio, existe amor. Quando você está cheio de ego, o amor desaparece. O amor e o ego não podem existir juntos. O amor pode existir com Deus, mas não com o ego, pois o amor e Deus são sinônimos. É impossível o amor e o ego  ficarem juntos. Por isso seja nada. Esse é o significado de ser humilde e gentil. Jesus diz: Bem-aventurados os humildes, pois deles é o Reino de Deus.
(...)
Pág. 196:
Se começar a viver corretamente... e o que quero dizer por "corretamente"? Aqueles quatro passos: esteja aqui/agora, aprenda a transformar seus venenos em mel, compartilhe sua positividade e seja nada. É isso o que quero dizer por "viver corretamente".
(...)
Pág. 198:
Deixe que esses quatro passos sejam toda a sua religião (...).

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 186/191, e 198.

terça-feira, 18 de abril de 2017

AMOR E MORTE

"Eu sou a pausa entre duas notas
Que raramente entram em real harmonia
Pois a nota da morte tende a dominar.
Ambas podem ser reconciliadas,
Tremulamente, no intervalo escuro, 
E a canção permanece imaculada"
(Rilke)

Entre o nascimento e a morte existe apenas uma coisa, com a qual você pode fazer algo: o amor.
As três grandes coisas da vida são: a vida, o amor e a morte. (...) No dia em que você nasce, metade do caminho está feito; a outra metade demorará um pouco mais... Coma vida, a morte também penetra em você. Então, só resta uma coisa a ser feita, que depende de você, que é o amor. E, por depender de você, existe toda a possibilidade de você perder essa oportunidade.
(...)
Existe a possibilidade de você não ser capaz de fazê-lo desabrochar; daí o medo, a angústia, a ansiedade: Serei capaz de fazer isso? Serei capaz de fluir no amor? Mas, ao lado dessa agonia, existe o êxtase de ser livre.
Por causa da liberdade é que existe o medo. Se o amor fosse predestinado, como a vida e a morte, então não haveria o medo mas também não haveria o êxtase, pois este só é possível quando você alcança alguma coisa, quando escolhe algo conscientemente e chega a algum lugar, deliberadamente, quando é a sua jornada e você não está sendo arrastado. Essa é a beleza do amor, e é o perigo também.
(...)
Isso é muito raro. Só num Buda ou num Cristo a morte e a vida entram em real harmonia... e a melodia nasce; só um Kabir, num Mahavir. Esse é um fenômeno muito raro. Quando a vida e a morte entram numa harmonia interna, o conflito cessa, uma ponte é construída sobre o abismo, e as duas notas tornam-se parte de uma só melodia — não em conflito, mas em cooperação.
(...)
Existem apendas dois tipos de pessoas no mundo: o orientado pela morte e o orientado pelo amor.
(...)
O intervalo escuro é o amor, onde a morte e a vida se encontram, se abraçam, têm um caso de amor e chegam a um orgasmo. Por isso, há tanta atração no amor, porque é vida... e medo, pois a morte também. Quando você faz amor com uma mulher ou com um homem, você nunca vai a fundo nisso.Você vai até o ponto que é a vida, e então, começa a hesitar, e não vai mais adiante, pois lá a morte também está. É a pausa entre as duas notas, e é escuro, um intervalo escuro entre as duas.
Por que Rilke fala que é escuro? O amor é escuro. Não é coincidência o fato de pessoas terem escolhido a noite para fazer amor; existe uma afinidade entre a escuridão e o amor.
(...)
O amor tem uma qualidade de escuridão em si, pois tem profundidade. A escuridão é sempre profunda e a luz é rasa. Mesmo que haja muita luz, ela é sempre rasa. O dia é raso, superficial, e a noite é profunda, infinita. O amor é como a escuridão... descanso  profundo... como cair numa grande profundeza. A morte também é escura; em todo o mundo a morte tem sido representada como escura. O amor é escuro e a morte também. Existe uma afinidade entre o amor e a morte.
(...)
o amor é metade vida e metade morte; esse é o dilema. É a pausa entre duas notas...
(...)
A menos que você conheça o que é o amor, não conhecerá o que é a melodia. É o encontro, o encontro orgásmico da morte e vida. A menos que o amor seja conhecido, você terá perdido tudo. Você nasceu, viveu e morreu, mas perdeu tudo. Perdeu tudo completamente, absolutamente. perdeu o intervalo. O intervalo é o pico mais alto, a maior experiência. Kabir chama-a de divina melodia.
(...)
Pág. 219
A morte virá. Meu corpo desaparecerá; seu corpo desaparecerá, mas isso não mudará nada. Se o desaparecimento do corpo fizer alguma diferença, isso mostra que o amor não aconteceu.
O amor é algo além do corpo. Os corpos vêm e vão; o amor permanece. O amor tem em si a eternidade: sem tempo, sem morte".

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 183/186 e 219.




segunda-feira, 17 de abril de 2017

DEUS

Deus não é o problema, Deus não pode ser o problema. Deus não está longe; Deus está aqui/agora. Tudo o que existe está em Deus e é Deus. Então, como Deus pode ser o problema? Deus não é para ser procurado: onde você irá procurá-lo? Ele está em toda parte; você só tem que aprender como abrir os seus olhos do amor. Uma vez que o amor penetrar em seu coração, Deus está lá. Na emoção do amor está o Amado: na visão do amor está a visão de Deus.
(...)
Deus e o mundo não são duas coisas; são uma só existência. Existe apena uma existência que, vista sem amor, parece material. Deus, visto sem amor, parece o mundo — o sansara. Visto com amor, o mundo se transforma, transfigura-se... e torna-se divino.
(...)
Pág.192:
Deus é como a floresta: você encontrará uma árvore, uma rocha, um homem, uma mulher, um cachorro, uma cobra, uma estrela — essas coisas você encontrará, mas não encontrará Deus em lugar algum. Deus é o nome da totalidade. Ele existe nessas coisas particulares; não tem existência em outro lugar. Ele existe na cobra, enquanto cobra, existe na árvore, enquanto árvore, na pedra, enquanto pedra e no homem, enquanto homem.
(...)
"Quero conhecer a floresta". E essas pessoas ficarão loucas e nunca encontrarão a floresta. Negando a árvore, não existe floresta. A floresta existe no carvalho, no pinheiro, no cedro; ela se manifesta em milhares de formas. A floresta em si não pode ser encontrada; isso é apenas uma abstração, uma generalidade.
Encontre o particular e esqueça o geral. Essa é a diferença entre religião verdadeira e falsa. A religião falsa dedica-se a abstrações, enquanto a verdadeira dedica-se a coisas particulares. Ame o homem, ame a mulher, ame a criança, ame o animal, ame a árvore, ame as estrelas... Não pergunte por Deus, e você O encontrará.
Amando uma mulher, um animal, uma árvore, pouco a pouco, você descobrirá que a árvore não é apenas uma árvore; ela transcende ela mesma. Amando uma mulher, você perceberá que ela não é apenas o corpo, nem apenas a mente; algo transcendental está escondido por trás. A mulher torna-se uma janela, uma janela para Deus. Seu próprio filho torna-se uma janela para Deus.
(...)
Kabir diz: (...) Não vou perguntar a ninguém onde está o meu Amado. Vou amar e encontrar o meu Amado, amando. Não vou perguntar: "Onde está Deus? O que é Deus?". Não: vou vou começar a amar e, através do amor, a definição de Deus virá para mim. A compreensão virá através do amor, e não através de ideias ou de pensamentos. Começar a amar: esse é o caminho do coração. E o caminho da mente é continuar pensando.
(...)
Pág. 199:
Não fique muito obcecado por palavras — a palavra "Deus" não é Deus, a palavra "amor" não é amor, e a palavra "fogo" não é fogo. Abandone as palavras, e caminhe cada vez mais em direção ao existencial.
Sinta mais, em vez de pensar. Através do sentimento, sua prece surgirá... e um dia você se dissolverá. E quando você se dissolver, Deus está presente.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 181, 192, 193, 199 e 200.



RELIGIÃO

Quando o amor desponta, milagres acontecem. Até na visão há música e, no som, um silêncio luminoso. O amor é mágico. E todo o ensinamento de Kabir é de amor; ele chama o amor de "divina melodia". O coração, palpitando de amor, torna-se uma flauta nos lábios de Deus... e nasce uma canção. Essa canção é a religião.
Religião não tem nada a ver com igrejas, templos e rituais; ela nasce apenas quando alguém pulsa de amor. Cada indivíduo tem que dar à luz uma religião dentro de si mesmo e, a menos que isso aconteça, você não é religioso. Não adianta você se juntar a uma organização e tornar-se religioso, pois religião não é uma organização a que se possa pertencer. Para ser religioso você tem que dar à luz uma religião em seu ser mais profundo, em seu âmago; quando a religião nasce lá, só então você é religioso. Não ao tornar-se cristão, mas ao tornar-se Cristo; não ao tornar-se budista, mas ao tornar-se Buda, é que nasce a religião.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, pp. 169/173.



domingo, 16 de abril de 2017

MUDANÇA

Lembre-se de uma coisa: você é o problema do mundo, você é o problema, A menos que você se solucione, qualquer coisa que faça irá tornar tudo ainda mais complicado. Primeiro, ponha ordem em sua casa, crie um cosmo no lugar do caos.
(...)
Mas eu insisto que o problema surge na alma de cada um. Os problemas existem porque os indivíduos estão num caos. O caos total não é nada além de um fenômeno combinado: a soma de todos os nossos próprios caos.
O mundo é apenas um grande relacionamento. estamos relacionados uns com os outros.
(...)
Viver no momento, no presente, viver com amor, com amizade, ter carinho e atenção... e então, o mundo será totalmente diferente. O indivíduo tem que mudar, pois o mundo não é mais do que um fenômeno projetado da alma individual.
(...)
Se você quer mudar o mundo inteiro, para então mudar a si mesmo, nunca conseguirá, nunca voltará para casa. Comece de onde está; você é parte deste mundo feio: mudando a si mesmo, você está mudando o mundo. O que você é? Uma parte deste mundo feio. Por que tentar mudar o vizinho? Ele pode não gostar, não querer, não estar nem interessado. Se você percebeu que o mundo precisa de uma grande mudança, você é o mundo mais próximo; comece por aí.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, pp. 169/173.



COMUNISMO

O comunismo não irá destruir a pobreza; não destruiu em lugar nenhum. Ele criou novos tipos de pobreza, maiores e mais perigosos. Os russos são ainda mais pobres agora, porque perderam sua alma também. Agora, o russo não é realmente um indivíduo, pois não tem nem mesmo a liberdade de orar e meditar. (escrito no ano de 1977)

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 172.



quinta-feira, 13 de abril de 2017

EGO

Sannyas significa que você está cansado de ser você mesmo, e está pronto para abandonar esse peso. Está cansado de ser, e gostaria de descansar no não-ser. O sannyas é um estado de não-ser. Você abandona você mesmo e entra no reino do nada... e, de repente, tudo é belo, pois as coisas eram feias por sua causa. Elas não eram feias por si mesmas: era a sua interpretação que as tornava feias; você as estava corrompendo. Agora o agente corruptor não existe mais, os olhos ficam limpos e pode-se ver muito longe; a visão torna-se transparente. Você desaparece no sannyas. E, no momento em que você desaparece, imediatamente, instantaneamente, Deus aparece. Quando você não está, Deus está.
Por isso, o sannyas não é um meio de enfeitar o seu ser. O sannyas é totalmente destrutivo. Eu anulo você. Diz-se nas antigas escrituras do Oriente que "o Mestre é uma morte". O Mestre é a maior morte, mas apenas através da morte torna-se possível uma nova vida. Quanto maior a morte, maior a ressurreição. Deixe-me ser a sua cruz. Morra em mim, para que você possa renascer.
(...)
O ego é como um câncer: tem-se que exterminá-lo completamente. Se uma pequena parte permanecer em algum lugar, ele crescerá novamente... e o câncer cresce rapidamente.
(...)
É isso o que significa a palavra "nirvana" de Buda; nirvana significa "nada". Nirvana simplesmente significa que você deixa de existir, não está mais lá.
(...)
Pág.194:
Qual é, na verdade, a carga básica? É a do ego: eu sou — este é o peso básico. Todos os outros acumulam-se sobre esse centro. Eu sou — este é o centro, e tem que ser destruído. O amor torna-o ninguém, tira-o de seu chão, destrói seu ego completamente. O amor aniquila-o, mata-o totalmente  e lhe dá uma nova vida, uma vida sem nenhum ego, uma vida simples, humilde, uma vida onde Deus pode viver através.
(...)
Você já observou que quanto maior for o seu ego mais tristeza ele cria? Ele machuca; é como uma ferida. Quanto menos ego, menor a ferida; ela é curada. Quando não há nenhum ego, não há mais ferida. Mesmo que alguém o insulte, você não se sentirá machucado, pois você não existe. O insulto só o atinge quando a ferida existe; você é derrotado porque queria ser vitorioso. Se o ego não existe, qual a diferença entre vitória e derrota? Qual a diferença entre sucesso e fracasso?
Todas as distinções são criadas pelo ego. Sempre que ele está satisfeito há sucesso, vitória. Quando ele está insatisfeito, há fracasso, derrota. Todas as vitórias e derrotas existem por causa do ego. Quando não há mais ego, você vive simplesmente sem vitórias ou fracassos; você vive simplesmente... e essa vida simples é a vida religiosa.
(...)
Pág. 215:
"Individualidade significa a sua unicidade, não comparada com mais ninguém. Sua unicidade incomparável: isso é individualidade. Ela é bela; foi assiim que Deus fez você — como um indivíduo. O ego é comparação, é uma invenção sua. Deus não lhe deu nenhum ego; deu-lhe uma individualidade.
Ego é comparação: você se acha mais inteligente que o outro, superior ou inferior, mais bonito, etc. Assim, você estará criando o ego. No momento em que você se compara com alguém, a conclusão a que se chega com essa comparação é ego".

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 156/158, 194, 195, 215 e 216.



SÁBIOS

Quem são os sábios? Aqueles que não estão concordando ou discordando, aquele que não vieram com nenhum apriori, aqueles que não vieram com uma conclusão, que não concluíram que são cristãos, hindus ou muçulmanos, a favor ou contra, isso ou aquilo; aqueles que vieram sem nenhuma conclusão, abertos, prontos para receber a verdade: essas são as pessoas sábias.
Uma pessoa sábia não tem conclusões. Tem verdade, mas não conclusões. E um tolo tem muitas conclusões e não tem verdade. O tolo é sempre um grande filósofo, teórico, dogmatista, propagandista. Ele acredita, e sempre que há conclusão, as portas não estão abertas para a verdade.
(...)
Você tem apenas que tentar tirar conclusões. Tentar ficar em silêncio, sem concordar ou discordar.
(...)
Se você conseguir não concordar nem discordar, o resto acontecerá, sempre aconteceu e sempre acontece.
(...)
Qual o significado de ver sem olhar? Ver sem nenhuma conclusão. Quando você tem uma conclusão, já está procurando alguma coisa. Você não está vendo; está olhando, procurando algo. Se você tem uma conclusão, então sua visão não é pura.
(...)
O verdadeiro sábio não será um escapista, pois para ele não pode haver "esse mundo e o outro mundo". Para ele, essa margem é a outra margem. Ele estará no mundo, mas não será deste mundo. Será uma flor de lótus: na água, sem ser tocada por ela. Para ele, não há divisão. Na verdade, para ele não há divisão entre bom e mau, moral e imoral, Deus e o Diabo. Todas as divisões são parte de uma existência orgânica.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 151/153,  166 e 167.



terça-feira, 11 de abril de 2017

CÉU E INFERNO

O céu e o inferno são simplesmente mitológicos; não existem. Existem apenas no seu medo e na sua cobiça. Quando os dois se dissolverem, o céu e o inferno desaparecerão. E quando não há mais medo nem cobiça dentro de você, nesse estado surge o verdadeiro paraíso. Os hindus, os jainas e os budistas têm um nome melhor para isso: mosha,  nirvana. O judaísmo, o cristianismo e o islamismo não têm essa palavra. Falam apenas do céu e inferno, e nada além disso. No Oriente, as pessoas foram mais fundo. Elas dizem: O céu e inferno são apenas psicológicos. Vá além do psicológico; só então atingirá o espiritual. Isso é nirvana: onde não existe medo ou cobiça; apenas consciência. E isso é possível aqui/agora. O céu ou o inferno acontecerão depois que você morrer. O nirvana, o moksha é possível "aquiagora".

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 148.



sábado, 8 de abril de 2017

CONSCIÊNCIA ESPONTÂNEA

Kabir diz: Algumas pessoas vivem através da sensualidade, da satisfação do prazer; outras, através da lei, da autoridade. Aqueles que vivem satisfazendo suas paixões estão sob o jugo da natureza; os que vivem na lei estão sob  jugo da sociedade. As pessoas que vivem pela lei são cidadãos muito respeitáveis; em toda parte serão tidos como boas pessoas, como todos deveriam ser. Mas são apenas múmias, cadáveres controlados pelo Estado; não têm uma alma própria.
Eu gostaria de dizer-lhes uma coisa: não existe mandamento que não possa ser quebrado, nem os que eu digo, nem os que foram ditos por outros Budas. Não há mandamentos que não possam ser quebrados, pois um mandamento é uma coisa morta e você é um ser vivo. Não estou dizendo: "Vá e quebre-os!" Estou simplesmente dizendo que não há mandamento que não possa ser quebrado. O fator decisivo tem que ser a sua consciência espontânea. Você tem que ver as coisas a partir de sua própria consciência, e não pelo instinto do corpo, nem pelo intelecto, modo de entender da sociedade. Você tem que olhar para dentro de seu ser, totalmente alerta, ver o que deve ser feito, e viver de acordo com essa compreensão. Esse é o caminho da transcendência.


Por isso o segundo sutra é para a espontaneidade. O primeiro é para a transcendência, e a espontaneidade é o caminho para a transcendência. Se algum dia você realmente quiser ir além da natureza e da sociedade — e Deus está além de ambas —, então você terá que seguir um caminho tremendamente arriscado: o da espontaneidade. Terá que ouvir seu próprio coração. A sociedade corrompeu-o; por isso terá que se limpar, como estivesse separando o joio do trigo. Você terá que ficar continuamente em guarda, pois a sociedade é ladina; ela coloca coisas que ficam tão enraizadas, que parecem ser sua própria consciência, mas não são.
É por isso que a consciência de todos difere: a consciência de um cristão é diferente da de um hindu, ou de um muçulmano. Mas como a consciência pode ser diferente? Essas consciências são falsas, foram criadas. A verdadeira consciência é igual, a mesma para todos. A verdadeira moralidade é uma só: se você nasceu no Oriente ou no Ocidente, se é branco ou negro, não faz diferença.
Se existe algo diferente, deve ser a sociedade que ensinou, que colocou coisas no fundo de você, que ficam manipulando você. Não seja um escravo dos instintos, nem da sociedade. Assim, nascerá a verdadeira religião, a religião transcendental, que está além de todas as religiões, E isso traz verdade e benção.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 141 e 142.

AS SEGUNDAS VIDAS

POR JOÃO PEREIRA COUTINHO

O terrorismo visitou Londres -mais uma vez. Nos dias seguintes, os sobreviventes falaram. Um deles correu mundo em fotografia que se tornou icônica: vemos um rapaz de vinte e tantos anos, com barba, sentado numa cadeira de rodas, embrulhado num cobertor.

O nome é Francisco Lopes, 26, português. E, desnecessário será dizer, a mídia lusa assaltou o patrício para entrevistas e testemunhos. Não sei o que esperavam escutar. Francisco, que vive e trabalha em Londres, limitou-se a banalidades. Mas como são belas as banalidades!

Para começar, tudo lhe pareceu rápido, assustadoramente rápido: ele já estava no fim da ponte de Westminster, junto ao Big Ben, quando sentiu o bafo do carro sobre o ombro. Atingido pelo terrorista, verificou que estava vivo. Ferido, mas vivo.


Levado para o hospital, seguiram-se os curativos e, depois dos curativos, as primeiras impressões. "Sinto que tenho uma segunda vida", disse ele aos jornalistas. E agora? O que fazer com essa "segunda vida"?

O jovem, na sua simplicidade, confessou: quer ir a Portugal, visitar a avó que não vê há anos. E, no futuro, não devotar toda a existência ao trabalho.

Sim, o tempo tudo cura. Até a lucidez. Daqui a semanas ou meses, é provável que o Francisco, novamente com o corpo funcional, já esteja de volta à velha roda de hamster onde todos pedalamos em direção a lado nenhum.

Ou talvez não. Eis uma boa pauta para os jornalistas: saber o que foi feito daquela "segunda vida". Porque nem todos têm a graça de receber uma.

Que o diga Bronnie Ware. Quem? Explico: Bronnie Ware é enfermeira na Austrália, especialista em cuidados paliativos para doentes em fase terminal. E, anos atrás, em pequeno livro da sua autoria ("The Top Five Regrets of the Dying"), a enfermeira resolveu partilhar com os vivos quais os cinco maiores arrependimentos daqueles que viu morrer.

Instintivamente, pensamos em gostos extravagantes: viagens que não se fizeram; casas onde não se viveram; dinheiro que não se ganhou. E, para os cínicos, todos os patrões aos quais não se removeu o escalpe.

Para surpresa da enfermeira, os arrependimentos eram outros. Banais, como as palavras do Francisco. E recorrentes. Como se a proximidade da morte, "dissolvendo o ego" (bela expressão da autora), dotasse o ser humano de uma clareza essencial.

Essa clareza começava pelo reconhecimento de que raros são aqueles que têm a coragem de viver a vida que desejam. A maioria lamentava ter vivido a vida que os outros esperaram que eles vivessem. Os moribundos não se perdoavam a si próprios: pela covardia, pela acomodação ou, pior ainda, pelo adiamento constante daquele dia libertador em que a "verdadeira vida" começaria.

O trabalho em excesso vinha em segundo lugar. Entre os doentes, havia uma difusa sensação de traição: como explicar o infortúnio para quem sempre investira tanto nas virtudes da responsabilidade, do esforço e da excelência? No fundo, para quem sacrificara tanto? Onde estava a justiça do "acordo"?

Depois das relações com o eu, surgiam inevitavelmente as relações com os outros. A incapacidade de expressar os sentimentos exatos -as palavras que não foram ditas, ou mal ditas- e os amigos que se perderam por estupidez ou negligência.

A concluir a lista, o arrependimento óbvio, uma espécie de súmula dos arrependimentos anteriores: não terem sido "felizes", ou mais felizes, por uma questão de (má) conduta e (má) atitude.

Todos os dias, acordamos e agimos como o jovem português em Londres. Prontos para representar o papel que nos foi concedido. Obcecados com a "carreira" e as suas perecíveis glórias. Pateticamente iludidos de que haverá sempre tempo para os outros. E jamais pensamos que haverá uma ponte; uma rua; uma doença; um golpe de azar que não estava na agenda.

Mas há afortunados que sobrevivem. Ou, pelo menos, que sobrevivem o tempo suficiente para se verem no espelho pela primeira e última vez.

Diz a sabedoria popular que é importante aprender com os próprios erros. Talvez. Pessoalmente, prefiro o célebre adágio de que é mais inteligente aprender com os erros dos outros. Porque a questão é simples e arrepiante: estaremos a viver a nossa vida como se fosse uma segunda vida?

Um abraço ao meu compatriota Francisco. E, se me é permitido o abuso, cumprimentos para a senhora sua avó.

Jornal Folha de São Paulo, de 28 de março de 2017, caderno ilustrada, C8.

O GOSTO DO AMOR

POR LUIZ FELIPE PONDÉ

Muitos duvidam da existência do amor. Muitos afirmam ser ele uma invenção da literatura. Outros, que se trata de uma projeção neurótica imaginária. Uma patologia da família das manias. Há quem suspeite de que seja uma doença da alma. Estão errados.
Quem conhece o amor sabe que ele habita entre nós. E sua presença nos faz sentir vivos. Por isso, o ressentimento é cego ao amor. Pode ser raro, randômico, frágil muitas vezes, mas nem por isso menos marcante quando percebido.
Este é o tema do filme sueco "Um Homem Chamado Ove", de Hannes Holm, que foi indicado para melhor filme estrangeiro no Oscar deste ano. O cinema escandinavo está sempre entre os melhores do mundo. Poucos lidam com temas do afeto de forma tão elegante, do desespero à beleza, mas sempre elegante.
A história é um clássico: a morte de uma esposa amada e a solidão decorrente. O filme narra a "cura" do homem chamado Ove, principalmente, pelas mãos de sua vizinha grávida iraniana, e suas filhas, além de todos os vizinhos em volta, lembrando, em muitas cenas, uma máxima rabínica: Deus está nos detalhes.
E o Messias entra pela fresta da porta. O amor também, como diz o livro bíblico "Cântico dos Cânticos". A falta de atenção para com os detalhes torna qualquer pessoa obcecada pela falta de sentido das coisas. A delicadeza é a virtude cognitiva necessária para a percepção do amor no mundo.
Só quem conhece o amor sabe o desespero que pode ser perder a quem se ama. O amor é incomum.
Claro, nada tem a ver necessariamente com o casamento. Pode, inclusive, morrer pelas mãos do casamento. Casa-se com quem se ama porque o amor pede o convívio. A presença viva de que ele existe.
Estar longe de quem se ama implica numa falta que beira a asfixia. Na verdade, o amor está entre as formas mais poderosas de significado na vida. E vai muito além do amor romântico propriamente dito.
A percepção repentina do amor pode dar a quem o vê a sensação de estar diante de um milagre, dado a sua leveza, humildade e generosidade.
A falta de amor na vida produz um certo ceticismo em relação ao mundo. Ou pior: o sentimento de inexistência. O mundo fica escuro, e você, vazio. A falta de amor beira a descrença. Perde-se a confiança nas coisas. Mesmo nas árvores e nos pássaros.
Um dos pecados maiores da inteligência é chegar à conclusão de que o amor é uma ficção. Mas não é a inteligência que aí fala, mas a tristeza de um coração em agonia.
Muitas vezes, pessoas supostamente inteligentes consideram o amor algo ingênuo e pueril. E quem ama, um equivocado.
Não há razões pra amar, uma vez que o mundo parece provar a cada minuto que ele é o terreno da raiva, do rancor e do ressentimento. A ciência do mundo parece mesmo ser um tratado sobre a desconfiança.



Søren Kierkegaard (1813-1855), em seu "As Obras do Amor", da editora Vozes, alerta aos inteligentes que não confundam o amor com alguma forma de ignorância da mentira e dos riscos.
A desconfiança se acha a mais completa das virtudes morais ou cognitivas. A armadilha de quem desconfia sempre é que ele mesmo se sente inexistente para o mundo porque este é sempre visto com desprezo. É da natureza do amor olhar para fora e não para dentro. O amor não é apaixonado por si mesmo.
Outra suposta arma contra o amor é o fato de a hipocrisia reinar no mundo. A hipótese de a hipocrisia ser a substância da moral pública parece inviabilizar o amor por conta de sua cegueira para com esta hipocrisia mesma.
É verdade: o amor não vê a hipocrisia. Kierkegaard diz que há um "abismo escancarado" entre eles. Este abismo é de natureza, isto é, a diferença de postura entre os dois torna o amor tão distante da hipocrisia, que sua pantomima, fruto do desprezo pelas coisas, é invisível aos olhos do amor que une as coisas.
O amor é concreto como o dia a dia. Engana-se quem o considera abstrato e fantasioso. Kierkegaard nos lembra em seu primeiro ensaio como o amor só se conhece pelos frutos. Isso implica que não há propriamente uma percepção do amor que não seja prática. O gosto do amor é a confiança nas coisas que ele dá a quem o experimenta. 

Publicado no jornal Folha de São Paulo, de 27.03.2017, caderno ilustrada, C6.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

PRECE

Prece é admiração, reverência. Prece é receptividade ao milagre que nos cerca. Prece é render-se à beleza, à grandeza, à essa existência fantástica. Prece é um diálogo não-argumentativo com a existência. Não é uma discussão... é um diálogo de amor. Você não argumenta... simplesmente sussurra palavras doces.
Quando um homem se apaixona por uma mulher, ele sussurra palavras doces em seu ouvido. Quando um homem se apaixona pela existência, é o mesmo romance. Prece é romance. É fantasia; é ficar disponível ao miraculoso. Muitas pessoas perderam a capacidade de orar porque perderam a capacidade de maravilhar-se, de admirar-se. Você vê milhares de maravilhas, todos os dias, mas não se admira mais. Seus olhos estão tão cheios de poeira e de informações que você não vê mais nada. Uma semente está brotando, e você não vê nenhuma maravilha. Uma nova folha está nascendo, e você não vê. Um passarinho cantando, e nada acontece dentro de você. Um pavão dança, e nada dança dentro de você. Uma nuvem branca flutua no céu, e você fica impassível. Então, a prece é impossível.


A prece precisa de um coração poético, amoroso. Aborde a realidade mais poeticamente; não seja muito científico, racionalista. Não pense que você sabe; nada é realmente conhecido — a ignorância é absoluta, suprema. Quando você entender que nada é conhecido e que a ignorância é suprema, terá novamente aqueles olhos bonitos que tinha quando criança.
(...)
Prece é a capacidade de se admirar, de se maravilhar; aquela capacidade que você tinha quando criança, e que perdeu. Reivindique-a. No dia em que seus olhos maravilhados se fecharam, Deus tornou-se não-existencial para você. Abrindo novamente esses olhos, você se reencontrará pulsando. Ele está muito próximo... aqui em volta... ele está dentro e fora.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 129 e 130.

terça-feira, 4 de abril de 2017

ALIMENTO

Você já reparou que, quando um amigo muito querido ou a pessoa que você ama vem visitá-lo, você fica tão feliz, tão cheio de amo que o apetite desaparece? Você não sente fome, como se algo mais sutil do que a comida o tivesse satisfeito, estivesse dentro de você e não deixasse mais um vazio. As pessoas miseráveis e tristes comem muito; as pessoas felizes não comem muito. Quanto mais feliz é a pessoa, menos ligado à comida ela é, pois tem uma comida melhor à sua disposição: amor. Amor é comida num plano mais alto. Se a comida é alimento para o corpo, o amor é alimento para o espírito.
(...)
E isso continua a acontecer durante o resto da vida. Sempre que você sente que o amor está faltando, começa a se encher de comida, o que se torna um substituto. Sempre que as pessoas se sentem vazias, e não têm aquela emoção, aquele saber, aquela energia que o amor traz, começam a se encher de comida. Voltam para a infância, sofrem uma regressão.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 117.


DEUS

Deus existe nos Mestres.  Ele existe em toda parte, mas se você não pode vê-lo no mundo, encontre alguém onde ele exista tão claramente, que mesmo um cego como você não poderá deixar de ver; procure alguém onde ele exista tão poderosamente que, mesmo uma pessoa como você, insensível, começa a sentir suas vibrações. Deus existe em toda parte, mas, às vezes, em algumas pessoas, ele existe de uma maneira muito forte. Às vezes, em algum lugar, sua presença torna-se muito sólida. Essas pessoas, onde isso acontece, chamamos de Budas, Cristos, Krishnas. Elas se tornam forças concentradoras de Deus.
Sadh sangat pitam: encontre, se puder encontrar em algum lugar, alguém que tenha se tornado uma forte presença de Deus. Banhe-se nessa presença; beba essa presença...
(...)
Evite companhias onde Deus não é lembrado. Evite as pessoas onde Deus tornou-se ausente. Não fique com elas, se não você aprenderá sua disciplina, seus pensamentos através delas, e pouco a pouco ficará embebido do espírito dessas pessoas. Evite as pessoas que não estão cheias de amor por deus, que não estão cantando, que não estão orando, meditando, dançando, que não estão em êxtase; evite-as.


(...)
Jesus já se foi, e você pode continuar apegado a ele. Deus já escolheu outro lugar para se manifestar. Olhe sempre para o que está vivo. Deus é vida. Ele está sempre deixando a velha casca e procurando novos espaços, novas expressões, novas canções e novas danças.
(...)
Se você continuar cultuando deuses mortos, hesitando entre muitos mestres, nunca será capaz de encontrar Deus.
(...)
A possibilidade está aí e, a menos que essa possibilidade se torne realidade, você nunca ficará satisfeito. A menos que um homem torne-se Deus, não há graça nem bem-aventurança. Cada um é um Deus em potencial, e a tarefa de toda a vida é transformar o potencial em realidade.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 82, 95, 107-112.

domingo, 2 de abril de 2017

SEXO

O sexo não é uma coisa comum. É uma das partes mais substanciais do seu ser, e não se deve ficar tão desatento quanto a isso. O sexo é a base do seu ser: você nasceu através dele, vive através dele; sua juventude, seu amor e sua morte irão acontecer através do sexo. Sua vida inteira é uma questão sexual. Deve-se ficar muito, muito alerta e observar o que se irá fazer com a energia sexual.
(...)
Quando um homem e uma mulher realmente se encontram e acontece um orgasmo, eles têm um primeiro vislumbre, ainda distante, do divino. Daí toda a atração pelo sexo, todo o profundo desejo pelo orgasmo sexual, porque o uno está refletido aí, talvez por um momento, ou nem mesmo por um momento, mas por uma fração de segundos... apenas um vislumbre rápido... mas Deus é entrevisto.
(...)
Ambos se rendem ao deus do amor. Ambos se rendem à unidade orgástica da energia sexual e, nessa entrega, os dois desaparecem. Por um único momento, ambos são Adão e Eva juntos.
A Bíblia diz: Deus criou o homem à usa imagem. Quando Adão e Eva realmente se encontram, a imagem de Deus é novamente refletida no lago de suas consciências. Seu lago de consciência reflete a lua de Deus... ainda distante, mas o primeiro vislumbre penetrou em você.
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Todos os sete chakras são sete caminhos para o orgasmo.
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O supremo acontece no sétimo chakra, o sahasrar, quando o ego individual se dissolve completamente no todo cósmico. Esse é o orgasmo total, a meta, a fonte".

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 82, 95, 100 e 101.



SER ÚNICO

Abandone a comparação. Você é único. Ninguém é como você, nunca foi e nunca será como você. Você é simplesmente único; e, quando digo isso, não estou dizendo que você é melhor do que os outros, mas que eles também são únicos. Ser único é uma qualidade comum a todos os seres. Ser único não é uma comparação, é tão natural quanto respirar. Todos respiram e todos são únicos. Enquanto você está vivo, é único.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, p. 71.



sexta-feira, 31 de março de 2017

MULHER

"(...)(Deus) criou a mulher a partir do homem. Isso significa que a mulher é um refinamento do homem, uma forma mais purificada.
Primeiro: mulher significa intuição, poesia, imaginação. Homem significa vontade, prosa, lógica razão. Esses são símbolos: homem significa uma qualidade agressiva; mulher significa receptividade. A receptividade é mais elevada. Homem significa lógica, raciocínio, análise, filosofia; mulher significa religião, poesia, imaginação — mais fluida, mais flexível. O homem luta contra Deus. A ciência é puramente um produto masculino — o homem lutando, esforçando-se, tentando conquistar. A mulher nunca luta; simplesmente recebe, dá as boas-vindas, espera, rende-se.
A alegoria cristã diz que Deus criou primeiro o homem. O homem é o mais alto no reino animal, mas, no que diz respeito à humanidade, a mulher é mais elevada. Os teólogos cristãos interpretaram isso de uma maneira totalmente errada, de uma maneira machista e chauvinista, Eles pensam que o homem é mais importante, por isso Deus o criou primeiro. Então, os animais deveriam ser mais importantes ainda! A lógica é falsa. Eles pensam que o homem é o principal e que a mulher é apenas um apêndice. No último momento, Deus sentiu que alguma coisa estava faltando, e então pegou um osso do homem e criou a mulher.(...)
Deus criou a mulher depois de ter criado o homem, pois ela só pode ser criada depois. Primeiro tem-se que criar a energia crua; e então, pode-se refiná-la. O refinamento não pode vir antes".

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, pp. 50 e 51.



terça-feira, 28 de março de 2017

FRUSTRAÇÃO

"Se não quiser sentir-se frustrado, não espere. Viva sem expectativas, e não haverá frustrações.
Mas as pessoas estão sempre esperando; suas expectativas não têm limites, Então vem a frustração, que é a sombra da expectativa. A frustração não é o problema, e sim a expectativa. Quando você se sente frustrado, pensa que a existência está fazendo algo de errado com você. Não: você estava querendo muito. Na verdade, é só querer algo e se sentirá frustrado. Qualquer querer é querer demais. Não queira, não peça; seja. E então, ficará surpreso — qualquer coisa que acontecer, será bom; você não terá como julgar.
(...)



Não espere nada, e verá que sua vida torna-se uma alegria. Espere, e sua vida torna-se um inferno. A expectativa é a causa. Se você quer mudar, nunca comece pelo efeito: comece pela causa. A frustração é o efeito. Se você continuar lutando contra a frustração, nada acontecerá, e você ficará cada vez mais frustrado. Comece pela causa, sempre procure pela causa. Sempre que estiver se sentindo miserável, vá lá dentro e descubra onde está a causa. E então tudo dependerá de você. Se você quer abandonar o efeito, evite a causa; e então fique muito atento, cada vez mais atento".

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, pp. 36 e 37.

AMOR

"Onde quer que sua mente se sinta apegada, não tenha medo do apego: vá fundo nele e tente encontrar Deus lá... e você o encontrará. Você ama uma mulher — não é necessário fugir dela: olhe profundamente em seus olhos... e você encontrará Deus lá. Deus está jorrando por toda parte. Você ama seu filho — não renuncie ao mundo, e não jogue seu filho nesse mundo faminto, violento e feio, não abandone seu filho com lobos: olhe os olhos dele. Coloque seu ouvido sobre seu coração e ouça profundamente... e você encontrará Deus lá.
Kabir diz: Incondicionalmente, onde quer que a mente se atenha, perceba o ser supremo.
(...)
Onde quer que você deposite seu amor, não há necessidade de fugir ou de renunciar. Deixe que seu amor seja sua prece".
"O amor vai além da polaridade, o sexo permanece abaixo. O sexo necessita do oposto; o amor, não. Por isso, no sexo há sempre um conflito sutil; com os opostos a harmonia não pode ser total. Talvez por alguns momentos, mas o conflito torna a voltar. Os amantes estão sempre lutando. Os psicólogos dizem que quando dois amantes param de brigar é sinal de que o amor desapareceu. Os amantes são inimigos íntimos. Estão sempre se provocando, discutindo. Existem momento sem que eles se dissolvem completamente um no outro, mas esses momentos são muito raros.
Com o amor, a polaridade desaparece. O amor é mais como uma amizade. Você pode amar uma árvore, uma pedra, as estrelas, as plantas, você pode amar qualquer coisa. O amor não tem nada a ver com a polaridade macho-fêmea; está além dos opostos, por isso a unidade é mais profunda.
(...)
O amor é incondicional; o sexo é condicional. No sexo há um tomar e dar; no amor, você simplesmente se derrama. Você não pede; não há o que pedir. E você recebe mil vezes mais, sem pedir nada. Tudo vem por si mesmo: a existência inteira lhe devolve, como um eco.
(...)
No amor, a prece e o sexo se encontram.
(...)
Pág. 144:
... se você ama, como poderá ser dono? Se você ama, como poderá reduzir o outro a um escravo? Amor é liberdade; o amor tem raízes na liberdade e floresce na liberdade. A Suprema fragrância do amor é a liberdade. 
(...)
O relacionamento só é possível entre iguais e quando não existe medo.
(...)
Quando há o medo, o amor não pode entrar: eles nunca estão juntos.
(...)
Pág. 181:
O Amor é o único milagre que existe. O amor é a escada do inferno para o céu. Aprendendo bemo amor, você aprendeu tudo. Perdendo o amor, toda a sua vida está perdida. As pessoas que perguntam sobre Deus não estão realmente perguntando sobre Deus, mas declarando que nã coheceram o amor. Aquele que conheceu o amor conheceu o Amado; o amor é a percepção do Amado. Aquele que pergunta sobre a luz está simplesmente dizendo que é cego. Aquele que pergunta sobre Deus, está dizendo que seu coração não floresceu para o amor.
(...)
Na emoção do amor está o Amado: na visão do amor está a visão de Deus.
(...)
Sem amor, a vida é uma coisa enfadonha e cinza, sem cores, sem canções, sem celebrações. Só se pode esperar pela morte; ela virá e o livrará dessa vida arrastada. O amor traz cor: o cinza transforma-se num arco-íris, explode em mil e uma cores, e o banal e enfadonho torna-se psicodélico. O amor transforma todo o estado do seu ser e, com essa mudança, toda a existência muda.
(...)
Pág. 181:
Quando o amor desponta, milagres acontecem. Até na visão há música e, no som, um silêncio luminoso. O amor é mágico. E todo o ensinamento de Kabir é de amor; ele chama o amor de "divina melodia". O coração, palpitando de amor, torna-se uma flauta nos lábios de Deus... e nasce uma canção. Essa canção é a religião.
(...)
Pág. 196:
Ame, mas não deixe que seu amor se torne lascívia. Ame, mas não deixe que seu amor se torne apego, dependência, escravidão. E então... então ame tremendamente. Então não haverá mais medo. E amando você poderá atravessar para a outra margem, sem nenhuma dificuldade.

OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh), A Divina Melodia, São Paulo, Editora Cultrix: 1993, pp. 17, 18, 96, 97, 144, 181 e 196.