Balança & Espada

"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito" (JHERING)



Jurisprudência

sábado, 16 de abril de 2011

REALENGO

POR CONTARDO CALLIGARIS



1) EM MARÇO de 2009, em Wendlingen, Alemanha, um jovem de 17 anos entrou no colégio do qual ele tinha sido aluno e começou uma matança que terminou com seu suicídio e custou a vida a 15 pessoas.
Na época, notei que, para os suicidas-assassinos de massa, encarnar o anjo da morte é sempre uma demonstração pública. E perguntei: uma demonstração de quê?

Pois é, num mundo dominado por máscaras e aparências, talvez os únicos eventos que se destaquem por serem indiscutivelmente reais sejam o nascimento e a morte. Nessa ótica, as meninas, para nos obrigar a levá-las a sério, podem engravidar e dar à luz. Quanto aos meninos, o que lhes sobra para serem levados a sério é morrer ou matar.
Por isso as meninas pensam no amor, e os meninos, na guerra; as meninas sonham em ser mestres da vida, os meninos sonham em ser mestres da morte.
Em suma, atrás da singularidade das razões de cada um, os suicidas-assassinos (todos homens) parecem agir na tentativa desesperada de se levarem a sério e de serem, enfim, levados a sério: “O mundo me despreza e me desprezará mais ainda, mas, diante de meu ato mortífero, não poderá negar que sou gente grande, um “macho de respeito’”.
Mais um detalhe. Cada vez mais, a preservação da vida parece ser nosso valor supremo. Todos estão dispostos a qualquer coisa para não morrer; não é estranho que, de repente, aos olhos de alguns, a verdadeira marca de superioridade pareça ser a facilidade em matar e se matar.
2) É possível que a vida escolar de Wellington, o assassino de Realengo, tenha sido um suplício. Mas a simples vingança pelo bullying sofrido não basta para explicar seu ato. Eis um modelo um pouco mais plausível (e infelizmente comum).
Durante sua adolescência, um jovem é zombado pelos colegas e, sobretudo, pelas meninas que despertam seu desejo. Para se proteger contra a recusa e a humilhação, o jovem se interdita o que ele deseja e que lhe está sendo negado: “As meninas que eu gosto riem de mim e de meu desejo por elas; para não me transformar numa piada, farei da necessidade virtude: entrarei eu mesmo em guerra contra meu desejo. Ou seja, transformarei a exclusão e a gozação num valor: não fui rechaçado, eu mesmo me contive -por exemplo, porque quero me manter ilibado, sem mancha”.
Wellington, o assassino de Realengo, na sua carta de despedida, pede para não ser contaminado por mãos impuras. Difícil não pensar no medo de ele ser contaminado por suas próprias mãos, e no fato de que a morte das meninas preservaria sua pureza, libertando-o da tentação.
A matança, neste caso, é uma maneira de suprimir os objetos de desejo, cuja existência ameaça o ideal de pureza do jovem. Ora, é graças a esse ideal que ele transformou seu fracasso social e amoroso numa glória religiosa ou moral. Como se deu essa transformação?
Simples. Para transformar os fracassos amorosos em glória, o fanatismo religioso é o cúmplice perfeito. Funciona assim: você é isolado? Sente-se excluído da festa mundana? Pois bem, conosco você terá uma igreja (real ou espiritual, tanto faz) que lhe dará abrigo; ajudaremos você a esquecer o desejo de participar de festas das quais você foi e seria excluído, pois lhe mostraremos que esse não é seu desejo, mas apenas a pérfida tentação do mundo. Você acha que foi rechaçado? Nada disso; ao contrário, você resistiu à sedução diabólica. Você acha que seu desejo volta e insiste? Nada disso, é o demônio que continua trabalhando para sujar sua pureza.
Graças ao fanatismo, em vez de sofrer com a frustração de meus desejos, oponho-me a eles como se fossem tentações externas. As meninas me dão um certo frio na barriga? Nenhum problema, preciso apenas evitar sua sedução -quem sabe, silenciá-las.
Fanático (e sempre perigoso) é aquele que, para reprimir suas dúvidas e seus próprios desejos impuros, sai caçando os impuros e os infiéis mundo afora.
Há uma lição na história de Realengo -e não é sobre prevenção psiquiátrica nem sobre segurança nas escolas. É uma lição sobre os riscos do aparente consolo que é oferecido pelo fanatismo moral ou religioso. Dito brutalmente, na carta sinistra de Wellington, eu leio isto: minha fé me autorizou a matar meninas (e a me matar) para evitar a frustrante infâmia de pensamentos e atos impuros.

*  Publicado no jornal Folha de São Paulo, Ilustrada, 14 de abril de 2011, Ilustrada, E16.

FEMMES AUX HOMMES

POR LUIZ FELIPE PONDÉ


Mulher não gosta de covarde, mesmo que seja covarde em nome dos "direitos femininos"


MUITAS LEITORAS se queixam de que nunca falo sobre os males masculinos. Hoje, vou pagar uma parte desta dívida. Como todo homem que gosta de mulher, sou um escravo do desejo de deixá-las felizes. Que inferno...
Recentemente, numa entrevista, uma jornalista me perguntou se acredito que os homens tenham medo de mulheres inteligentes. E também o que seria mais importante numa mulher, beleza ou inteligência.
Antes de tudo, um reparo. Neste assunto, não consulte as feministas porque elas não entendem nada de mulher. Tampouco pergunte aos homens que chamam as mulheres de "vítimas sociais", porque são frouxos. Pobres diabos: mulher não gosta de covarde, mesmo que seja covarde em nome dos "direitos femininos".
A segunda pergunta (o que é mais importante numa mulher, a inteligência ou a beleza?) é fácil: a beleza vem em primeiro lugar, nunca a inteligência. Quando um homem disser pra você que ele prefere mulheres inteligentes, ele quer te pegar. Ou, pior, ele tem medo do patrulhamento das feias e das chatas, que no Brasil, graças às deusas, não crescem em número porque as mulheres brasileiras são como dizem os franceses "femmes aux hommes" (mulheres para os homens).
Por que é necessário ter coragem pra dizer que a inteligência feminina não é erotizada pelos homens? Ora bolas, porque atualmente falar para as mulheres que inteligência vale mais do que a beleza é um "dever de todo cidadão".
Uma mulher poderá fazer uma queixa contra você na delegacia da mulher caso você não diga para ela que inteligência numa mulher é fundamental. Não se engane: inteligência nunca é fundamental. Mas, não exagere para o outro lado: as burrinhas enchem o saco depois de duas horas de sexo.
Quanto à primeira questão (os homens têm medo de mulheres inteligentes?), a resposta é simples: sim, sempre; só os mentirosos e medrosos negam este fato. Melhor dizendo, o homem sempre tem medo da mulher, principalmente quando está interessado nela.
Segundo os darwinistas, esta seria uma característica atávica, desde a savana africana. Medo da infidelidade, medo da impotência, medo do ridículo.
Mas há sutilezas nisso tudo. O homem prefere a beleza, mas num relacionamento de longo investimento, outras característica pesam, às vezes, mais do que a beleza pura e simples. Por exemplo, evidências de que ela seja fiel, boa mãe para seus futuros filhos, generosa, doce (coisa rara em mulheres excessivamente competitivas, como é comum em cidades do tipo São Paulo, mas menos comum em outras regiões, como Minas Gerais ou Nordeste onde elas são mais "sorridentes").
Beleza demais pode dar medo quando ela é sua mulher. Garanhões costumam rondar mulheres bonitas demais. Se você só quer "pousar de poderoso" com uma gostosa, tudo bem, mas se quiser viver com ela, aí a coisa pega. Para pilotar um Boeing você tem que ser competente em muita coisa, e nem sempre dá, num cenário violento e volátil como o mundo contemporâneo, onde as mulheres têm mais opção de escolha afetiva e profissional.
Por que, muitas vezes, é tão difícil para as mulheres aceitarem que a inteligência numa mulher não seja essencial? Porque, ao contrário dos homens (esses seres primitivos, insensíveis e promíscuos... risadas...), as mulheres erotizam a inteligência no homem, às vezes, mais do que a beleza pura e simples.
Eu arriscaria dizer que a inteligência quando associada à coragem (virilidade) pode ser um afrodisíaco imbatível para as mulheres numa noite de calor.
Resumo da ópera: a inteligência numa mulher é um risco interno à relação porque o homem pode se sentir "menor" do que ela.
Já a beleza feminina é sempre um risco externo porque o cara sente medo de perdê-la porque sabe como os outros caras pensam.
Já a inteligência num homem nunca é um risco interno à relação porque as mulheres dão nó em qualquer homem. Mas, é sempre um risco externo porque as mulheres sabem como suas parceiras pensam: se, além da inteligência, o cara tiver "atitude" (a soma disso dá em charme), aí, meu bem, se prepare para a cobiça de suas amigas.

* Publicado no jornal Folha de São Paulo, Ilustrada, em 21.02.2011.