Balança & Espada

"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito" (JHERING)



Jurisprudência

sábado, 3 de abril de 2010

Caso Isabella - 5º e último dia de julgamento (26.03.2010)

O promotor de justiça Francisco Cembranelli foi brilhante ao longo de toda a sua réplica, que durou duas horas, praticamente das 18:00 até as 20:00 horas. 

No plenário lotado, com muita calma e sem encenação, passou a reler trechos do depoimento dos acusados, ao mesmo tempo em que rebatia suas versões, confrontando-as com as provas técnicas e as alegações deles mesmos, registradas no curso de todo o processo. Assim atuando, o membro do Ministério Público apontava contradições.

Falava diretamente aos jurados, expondo de modo claro suas conclusões, enquanto explicava a motivação do crime, o ciúmes da ré e a instabilidade emocional no relacionamento conjugal.

Apontou conflito no depoimento dos acusados quando mencionou o fato de Anna Carolina Jatobá ter dito que Alexandre Nardoni passara sua própria cabeça pela rede de proteção, para ver a filha caída no jardim, apesar de ele mesmo ter dito que não teria feito isso, uma vez que o buraco era pequeno.

Fixou-se na porta do apartamento e nas chaves, que teriam sido vistas pela ré, enquanto subia pelo elevador.

Criticou o pai por não ter socorrido a filha assim que desceu, conquanto ainda estivesse viva.

Argumentou que os réus tanto eram culpados que um famoso advogado não teria assumido o caso, por ter se convencido de que eles não eram inocentes.

Valeu-se de uma tela de projeção, fixada num tripé, diante dos jurados, para exibir a cronologia dos fatos, segundo os horários do desligamento do GPS do automóvel dos Nardoni e das ligações efetuadas, incluindo a de um vizinho chamando por socorro.

Então, concluiu que, no momento da queda de Isabella, a madrasta e o pai estariam dentro do apartamento.

Enfim, ironizando argumentos da defesa, disse o promotor de justiça que se os réus iniciaram o julgamento "condenados pelas provas", da mesma forma deveriam sair de lá condenados pelas mesmas provas, que eram sérias, técnicas, científicas, evidentes e conclusivas.

Podval aparteou o promotor várias vezes, não, porém, a ponto de atrapalhar-lhe o raciocínio. Sempre que o fez, foi com educação e respeito, com a finalidade de criticar os peritos e desmoralizar a prova técnica. 

Citou, por exemplo, que teriam preparado um cafezinho na cozinha do apartamento, enquanto realizavam a perícia.

Infelizmente, não vi a tréplica do advogado Roberto Podval, porque tive que sair para um compromisso inadiável.

Retornei ao Fórum de Santana por volta de 00:30 horas de sábado.

Dirigindo pela Rua Victório Primon, vi um aglomerado de pessoas para fora do portão lateral, que separa a calçada do batalhão da polícia militar que existe no mesmo prédio. Logo que passei por elas, pude perceber que estavam comemorando a condenação.

Virei a esquina, para ingressar à direita na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, e presenciei uma multidão extasiada com a notícia da condenação.

Gritos, aplausos, pulos, pessoas vestindo camisetas com a imagem da vítima, dezenas de repórteres e até mesmo fogos de artifício; tudo isso  bem no momento em que eu ingressava no estacionamento do fórum, depois de passar por uma barreira da Companhia de Engenharia de Tráfego e por outra da Polícia Militar (confira vídeo no youtube).

Desci do carro e passei por uma BMW preta, tipo SUV, da qual se podiam ouvir gritos nervosos de uma moça, que supus ser parente próxima dos acusados. Um dos advogados destes estava ao lado de fora, tentando acalmá-la.

Pepasseio-os, discretamente, e entrei no elevador.

No terceiro andar, segui direto para o plenário do Júri. Parei à porta, vi que o recinto estava lotado, ingressei e fique em pé, atrás da última fileira de assentos.

O juiz Maurício Fossen, sentado, com calma e tranquilidade, lia a sentença, utilizando-se do microfone, ao mesmo tempo em que os réus, igualmente sentados, em seus lugares, ouviam-na passivamente, sem esboçar nenhum tipo de emoção ou reação.

Alexandre Nardoni estava sendo condenado a 31 anos, um mês e dez dias de reclusão, por homicídio, mais oito meses de detenção, por fraude processual, enquanto Anna Carolina Jatobá, a 26 anos e oito meses de reclusão, por homicídio, mais oito meses de detenção, também por fraude processual — tudo conforme a decisão dos jurados, deduzida das votações ocorridas, pouco antes, na sala secreta.

O magistrado fundamentou a exasperação da pena com base em circunstâncias agravantes, qualificadoras e, ainda, com suporte na personalidade dos réus.

Agradeceu a todos e encerrou a sessão.

O público permaneceu calado, num ambiente pesado, tenso e formal, até ser chamado a se retirar pelos agentes de fiscalização, que, em pé, esvaziavam as fileiras, de frente para trás, em ordem e sem tumulto.

Cumprimentei colegas de trabalho e, curioso, perguntei ao professor de direito Luiz Flávio Gomes qual teria sido o número de votos no quesito relativo à autoria.

Luiz Flávio me lembrou que, com a mudança relativamente recente do Código de Processo Penal, a partir do quarto voto condenatório, o juiz era obrigado a encerrar a votação, para preservar os jurados e  a fim de que não se soubesse como teriam votado, acaso a decisão fosse por unanimidade: sete votos condenatórios e nenhum contrário.

Frustrei-me com a nova regra, pois sempre pensara que uma condenação unânime, ou quase,  era sempre mais confortável, segura e legítima do que uma por quatro votos a três.

Permaneci no recinto, agora sem plateia, sentei-me ao fundo do plenário e passei a presenciar o início de mais um capítulo na vida dos Nardoni.

Sem imprensa, promotor, juiz, jurados e o público, vi e ouvi a despedida dos réus, de seus pais e de seus advogados.

Uma moça loira, supostamente estagiária da equipe de defesa, chorava sem parar, penalizada com a situação dos réus. De uma advogada que participara da bancada de defensores, saíam lágrimas de comiseração. Os advogados, por sua vez, se dispunham a consolar a família dos réus da melhor maneira possível.

O pai de Alexandre Nardoni, que assistiu a todas as cinco sessões do julgamento, parecia esmorecer, desolado, como se tivesse acordado para o pesadelo. A mãe, presente no dia anterior, obteve notícia do resultado do julgamento pelo celular da filha, que chorava incessantemente. Choravam, ainda, os pais de Anna Carolina Jatobá, sentados à direita do pai e da irmã de Alexandre.

Os réus, algemados, enfim, se emocionaram, choraram, soluçaram levantaram os braços para abraçar e se despedir dos pais, dos sogros e da cunhada, para, na sequência, agradecer Podval pelo trabalho que realizara.

Era uma despedida incomum, como se estivessem partindo, sozinhos, definitivamente e para sempre, para um lugar sem volta, conduzidos por policiais militares.

Percebi que, além de um crime, era uma tragédia que conduzia e ditava a vida daquelas famílias fazia dois anos e que, doravante, poderia estigmatizá-los perante a sociedade.

Afinal de contas, igualmente vítimas eram os dois filhos menores, impúberes, que o casal, agora condenado, deixara para que os avós maternos criassem, e cujos nomes de família já estavam sendo omitidos, na escola, para evitar algum tipo de discriminação.

Saí do plenário, cumprimentei o presidente da OAB de Santana, a assistente de acusação Cristina Christo Leite e, do saguão do prédio, avistei Cembranelli encerrando a entrevista coletiva que dera para a imprensa.



O promotor de justiça levantou-se de uma escrivaninha branca, colocada no pátio da frente do fórum e em cima da qual dezenas de microfones permaneciam lado a lado, e retornou para o saguão do prédio, onde o cumprimentei.

Luzes, holofotes, flashes de máquinas fotográficas, repórteres narrando o desfecho ao vivo, pela televisão, e uma multidão festejando e gritando em coro frases ofensivas contra os Nardoni.

Entoou na rua, saindo de um alto-falante, a música que a rede Globo de televisão reproduzia quando Ayrton Senna ganhava uma corrida . Soube, mais tarde, que um publicitário, envolvido com o julgamento, providenciara esse tipo de som para comemorar a condenação.

Dois repórteres conhecidos, da Globo, José Roberto Burnier e César Tralli, se preparavam para voltar ao ar, quando os abordei, indagando se já tinham visto ou presenciado tamanha comoção num julgamento.

Referiram-se, imediatamente, ao caso de Suzane von Richthofen, mas logo responderam que não, ou seja, que o julgamento do acusados de terem matado Isabella, até então, era o de maior comoção.

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